REFLEXÃO/HOMILIA NA SOLENIDADE DE MARIA, MÃE DE DEUS, ANO B

TEMOS UMA MÃE CELESTIAL

Primeira Leitura: Números 6,22-27
Salmo Responsorial: Sal. 66(67):2-3,5,6,8
Segunda leitura: Gálatas 4,4-7
Leitura do Evangelho: Lucas 2:16-21
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Em comunidades africanas, a maternidade transcende sendo apenas um fenômeno biológico; é um elemento vital, associado a valores culturais e laços comunitários. A mãe grávida é vista como um símbolo poderoso de continuidade e conexão, carregando as heranças das gerações passadas e as esperanças das gerações futuras. Essa perspectiva cultural atribui grande importância ao papel materno, reconhecendo-o como uma força moldadora para indivíduos e comunidades. O conceito de “ubuntu”, enfatizando a interconexão de todas as pessoas, é influente no âmbito da maternidade. A mulher grávida não é apenas um indivíduo; ela serve como um canal através do qual as aspirações da comunidade são carregadas adiante, incorporando os laços que unem. De fato, a Maternidade no contexto cultural africano é uma expressão vívida de amor, sacrifício e compromisso. Ela se destaca como uma representação radiante dos valores enraizados na consciência coletiva da comunidade. A mulher grávida, com sua barriga crescendo, torna-se uma evidência viva da resistência da vida e da interdependência de todas as coisas. Ao contemplar a realidade da maternidade dentro do contexto cultural africano e compará-la com a teologia da Maternidade da Bem-Aventurada Virgem Maria, a Theotokos – Portadora de Deus, uma compreensão mais clara da Solenidade de hoje emerge.

Hoje, a Santa Mãe Igreja celebra com alegria a Solenidade de Maria, Mãe de Deus. Liturgicamente, este dia marca a culminação da Oitava de Natal, o oitavo dia contado a partir de 25 de dezembro. A Oitava de Natal é uma tradição litúrgica apreciada, estendendo a celebração de festas importantes por oito dias para permitir uma imersão mais profunda nos mistérios comemorados. Ao longo dessa oitava, cada dia se constrói sobre o anterior, proporcionando uma oportunidade para os fiéis se aprofundarem nos diversos aspectos da Encarnação. Os textos litúrgicos, orações e leituras durante esse período se concentram em diferentes facetas do mistério, permitindo que os fiéis meditem sobre as implicações substanciais de Deus assumir a forma humana. Uma das implicações mais profundas da Encarnação é o nascimento de Jesus por uma mulher – a Bem-Aventurada Virgem Maria. Ao atingirmos o ápice da oitava, hoje é dedicado à celebração da Bem-Aventurada Virgem Maria como a Mãe de Deus, conhecida teologicamente como “Theotokos”. Esta festa tem uma importância imensa dentro da Igreja Católica, enfatizando o papel central de Maria na Encarnação e afirmando sua maternidade divina. O venerável título de Theotokos reconhece Maria como aquela que carregou em seu ventre o Filho de Deus, Jesus Cristo, totalmente humano e totalmente divino. Enraizado no grego, o termo Theotokos se traduz como “Portadora de Deus” ou “Mãe de Deus”, sublinhando o papel singular e único de Maria na história da salvação.

As leituras litúrgicas de hoje ressoam com a essência de nossa celebração. Começando com a Primeira Leitura do Livro dos Números (cf. Num. 6:22-27), encontramos as instruções de Deus a Moisés sobre as bênçãos para os filhos de Israel por Arão e seus filhos: “Que o Senhor te abençoe e te guarde. Que o Senhor faça resplandecer o seu rosto sobre ti e tenha misericórdia de ti. Que o Senhor sobre ti levante o seu rosto e te dê a paz.” Esta bênção serve como uma súplica pelo favor e proteção de Deus, expressando o desejo pela bondade divina e pela presença protetora, simbolizada pelo resplendor de Seu rosto e pela presença dentro do olhar divino. A bênção conclui com um desejo de paz, um bem-estar holístico derivado de uma relação correta com Deus. Surpreendentemente, essas bênçãos concedidas ao povo nos Números encontram sua realização no nascimento, pessoa e ministério de nosso Senhor Jesus Cristo. Não é à toa que Zacarias exclama em seu cântico de louvor na chegada de Cristo: “na terna compaixão de nosso Deus, nos visitou o sol nascente, para brilhar sobre os que jazem nas trevas e na sombra da morte e dirigir nossos pés no caminho da paz.” Assim, em Cristo, os fiéis recebem a bênção máxima, graça e paz. Isso ocorre porque o conceito de Deus voltando Seu rosto para Seu povo se reflete na Encarnação. Em Jesus, Deus se torna “Emmanuel”, significando “Deus conosco”, incorporando a presença divina em forma humana. De fato, a humanidade é abençoada, como vividamente retratado na leitura do Evangelho (cf. Lc. 2:16-21), onde os pastores vieram contemplar o rosto de Deus na pessoa do recém-nascido deitado numa manjedoura e voltaram glorificando e louvando a Deus por tudo que ouviram e viram; foi exatamente como lhes fora dito.

À luz do mistério elucidado acima, uma realidade inegável persiste: a realização dessas bênçãos sobre a humanidade foi possibilitada pelo ressoante “SIM” da Bem-Aventurada Virgem Maria em resposta à vontade de Deus transmitida pelo anjo. Através dessa aceitação, Maria foi concebida pelo poder do Espírito Santo e tornou-se a Mãe de Deus. Semelhante ao conceito africano de maternidade, a maternidade da Bem-Aventurada Virgem Maria transcende a mera ocorrência biológica; ela se destaca como um símbolo robusto de continuidade e cumprimento das promessas de Deus. Maria carrega as memórias das gerações passadas e as aspirações daquelas que ainda estão por vir. Não é à toa que em seu “Magnificat”, ela declara: “todas as gerações me chamarão bem-aventurada” (Lc. 1:48).

A maternidade de Maria, semelhante ao conceito africano de maternidade, é uma força que molda os fiéis e as comunidades cristãs. Da mesma forma, a ideia de nosso “ubuntu católico”, a interconexão de todos os cristãos, é relevante no contexto da maternidade de Maria. Isso é elucidado por São Paulo na Segunda Leitura (cf. Gálatas 4:4-7), onde ele explica que é por meio da maternidade de Maria, especificamente pelo nascimento do Filho de Deus, que somos adotados como filhos e filhas. Esse ato redime a humanidade sob a Lei, pois Deus envia o Espírito de seu Filho em nossos corações, capacitando-nos a clamar: ‘Aba, Pai’.

Amados em Cristo, a celebração de hoje da solenidade de Maria, Mãe de Deus, marca um dogma formalmente definido no Concílio de Éfeso em 431 d.C. Este concílio, também conhecido como o Terceiro Concílio Ecumênico, foi convocado para abordar a heresia do nestorianismo, que questionava a unidade das naturezas divina e humana em Cristo. Nestório, o Arcebispo de Constantinopla, defendia uma distinção entre os aspectos divino e humano de Jesus ao ponto de considerar Maria como “Christotokos” (portadora de Cristo) mas não “Theotokos” (Mãe de Deus). A controvérsia em torno do nestorianismo provocou a necessidade de um concílio para esclarecer a compreensão ortodoxa da relação entre as naturezas divina e humana em Cristo, assim como o papel de Maria nesse mistério.

O Concílio de Éfeso, realizado em 431 d.C. sob a liderança de Cirilo de Alexandria, afirmou o Credo Niceno e abordou especificamente a heresia nestoriana proclamando Maria como “Theotokos”, significando “Portadora de Deus” ou “Mãe de Deus”. A decisão do concílio foi expressa em sua declaração oficial, que afirmou a unidade das naturezas divina e humana em Cristo e reconheceu Maria como Mãe de Deus. O trecho crucial da decretação do concílio sobre este assunto é o seguinte: “Se alguém não confessar que Emmanuel é Deus em verdade, e portanto que a santa Virgem é Mãe de Deus (pois ela gerou de maneira carnal a Palavra de Deus feita carne), que seja anátema.”

Essa definição solene visava salvaguardar a compreensão ortodoxa da Encarnação e do papel crucial de Maria nela. Isso solidificou o dogma de que Maria, como mãe de Jesus Cristo, plenamente Deus e plenamente homem, pode ser justamente chamada de Mãe de Deus. O Concílio de Éfeso desempenhou assim um papel vital em definir e manter a compreensão ortodoxa da Encarnação e do papel de Maria nesse profundo mistério.

Acima de tudo, queridos amigos, considerando tudo o que aprendemos, podemos afirmar com confiança que Maria, como Mãe de Jesus, que é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, torna-se também nossa mãe espiritual. Assim como João aceitou Maria como sua própria Mãe aos pés da cruz (cf. João 19:27), nós, como irmãos e irmãs de Jesus, os filhos e filhas de Deus, podemos reconhecer na Bem-Aventurada Virgem Maria uma mãe espiritual e celestial. Nela, encontramos uma fonte de inspiração em sua fé vibrante, amor materno, intercessão poderosa enraizada em compaixão e amor, e um modelo de discipulado. Ela consistentemente nos orienta para Cristo, ecoando as palavras: “Fazei tudo o que Ele vos disser” (João 2:5). Que a grande Mãe de Deus (Theotokos) sempre interceda por nós. Amém.

Shalom!
© Pe. Chinaka Justin Mbaeri, OSJ
Paróquia Nossa Senhora de Loreto, Vila Medeiros, São Paulo, Brasil
nozickcjoe@gmail.com / fadacjay@gmail.com

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Chinaka Justin Mbaeri

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