“A PAZ ESTEJA CONVOSCO” (εἰρήνη ὑμῖν): A PAZ QUE SUPERA TODO ENTENDIMENTO
Primeira Leitura: Atos 3:13-15,17-19
Salmo Responsorial: Sl. 4:2,4,7,9
Segunda Leitura: 1 João 2:1–5
Evangelho: Lucas 2:22–40
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“Eirēnē” (εἰρήνη) é a palavra grega para paz, e nesse contexto, transmite não apenas a ausência de conflito ou tumulto, mas a presença de integridade, harmonia e reconciliação. É uma paz que supera o entendimento, uma paz que emana da fonte divina de toda paz – o próprio Jesus Cristo. Além disso, a palavra “ὑμῖν” (hymin) é um pronome da segunda pessoa do plural no caso dativo. Significa que Jesus está se dirigindo não apenas a um indivíduo, mas a toda a comunidade de discípulos, e por extensão, a todos os cristãos longo da história. Essa paz não é destinada a alguns poucos escolhidos, mas é oferecida livremente a todos que a recebem de coração aberto. Não é de surpreender que John Lennon, um músico, cantor e compositor britânico, ao refletir sua filosofia pessoal e compromisso com o ativismo pela paz, afirme: “A paz não é algo que você deseja; é algo que você faz, algo que você é e algo que você dá.” Amados amigos em Cristo, neste Terceiro Domingo da Páscoa, somos chamados a refletir sobre o dom da paz dado livremente à comunidade cristã por Cristo após sua ressurreição e como devemos cooperar com esse dom em nosso mundo hoje.
A expressão “a paz esteja convosco” em grego: “εἰρήνη ὑμῖν” (eirēnē hymin), que emana dos lábios divinos do Salvador nos relatos pós-ressurreição, é registrada uma vez em Lucas (cf. Lc. 24:36) e duas vezes em João (Jo. 20:19; 20:21), e consequentemente, essas palavras têm sido usadas na Missa (no início pelo Bispo) e após a Oração do Senhor pelo Sacerdote. Então, por que Jesus legou o dom da paz aos seus discípulos, como lemos no trecho do evangelho deste domingo? Foi apenas uma saudação convencional naquele tempo? Ou isso transmite um significado mais profundo?
Lembre-se de que com a crucificação e morte de Jesus, seus discípulos estavam cheios de medo, confusão e tristeza. Eles testemunharam seu amado mestre e senhor, a quem acreditavam ser o Cristo, sendo traído por Judas e preso; todos fugiram e o abandonaram, exceto João e algumas mulheres que permaneceram até o “fim” (na cruz), mesmo Pedro o negou três vezes. Seu mestre foi crucificado e enterrado, e diante dessa realidade, eles estavam lidando com a incerteza do que o futuro reservava. Seu mundo estava abalado, e eles provavelmente estavam experimentando uma variedade de emoções, incluindo dúvida e ansiedade. No trecho do evangelho de hoje, Jesus aparece a seus discípulos, que ficam assustados e amedrontados, pensando que estão vendo um fantasma. Para tranquilizá-los de sua identidade, Jesus mostra-lhes suas mãos e pés e os convida a tocá-lo, e ele come com eles depois de tê-los cumprimentado com as palavras “a paz esteja convosco.”
Esta saudação “a paz esteja convosco” não era apenas uma saudação comum, mas carregava um profundo significado espiritual porque, no contexto judaico, a palavra para paz, “Shalom,” transmite não apenas a ausência de conflito, mas também integridade, bem-estar e harmonia, como mencionado anteriormente. Ao falar paz a seus discípulos, Jesus estava oferecendo a eles conforto, segurança e restauração. Ele estava reconhecendo sua agitação interior e oferecendo-lhes a “paz que supera todo entendimento” (Filipenses 4:7). Portanto, “a paz esteja convosco” significa reconciliação, perdão e restauração do relacionamento com Deus e uns com os outros. Apesar da deserção e negação dos discípulos durante sua crucificação, Jesus estende a eles uma mensagem de paz, sinalizando seu perdão e seu desejo de restaurar seu relacionamento. Além disso, as palavras de paz de Jesus não eram apenas para o conforto pessoal dos discípulos, mas também para seu empoderamento para a missão. Em João 20:21, Jesus diz: “Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio” Ele os comissiona a continuar sua obra de proclamar o Reino de Deus, e a paz que ele lhes oferece os capacita para essa tarefa, assim como ele também lhes diz no final do trecho do evangelho de hoje, “Vocês são testemunhas disso.” Como testemunhas, seu empreendimento missionário é definido – como pregar a Boa Nova.
Assim como Jesus saúda seus discípulos com as palavras de paz, Pedro estende a mesma mensagem à multidão em Jerusalém, como ouvimos na Primeira Leitura de hoje. No entanto, essa paz não é apenas um sentimento; está intimamente ligada ao arrependimento e ao perdão. Pedro declara: “Arrependam-se, pois, e voltem-se para Deus, para que seus pecados sejam apagados” (Atos 3:19). Aqui, vemos a ligação entre o arrependimento e a experiência da verdadeira paz – paz com Deus e paz dentro de nós mesmos. O arrependimento, como Pedro enfatiza, não é apenas sentir-se triste por nossos pecados, mas afastar-se deles e voltar-se para Deus. É uma reorientação radical de nossos corações e vidas, enraizada na humildade, contrição e desejo de reconciliação. Através do arrependimento, reconhecemos nossa necessidade do perdão de Deus e nos abrimos para receber a paz que apenas Cristo pode oferecer. Além disso, a mensagem de Pedro sobre arrependimento e paz se estende além da salvação individual para o contexto mais amplo da conversão societal. Ele chama a multidão a “arrepender-se e voltar-se para Deus, para que seus pecados sejam apagados” (Atos 3:19). Aqui, vemos a conexão entre o arrependimento pessoal e a renovação da sociedade – uma renovação caracterizada por justiça, misericórdia e reconciliação.
Isso explica por que, no início da Missa, o bispo reza as mesmas palavras de Cristo “a paz esteja convosco” à comunidade que celebra, e também antes da recepção da Sagrada Eucaristia, essas palavras são ouvidas nos lábios do sacerdote, o que prepara o povo para a reconciliação, o perdão e a restauração do relacionamento com Deus e uns com os outros. É por isso que ele então vai além para convidar os fiéis a “se cumprimentarem com um sinal de paz.” Infelizmente, esse “sinal de paz” tem sido trivializado por alguns católicos na Missa ou até mesmo visto como algo sem importância, mas não vou entrar nisso agora, no entanto, que seu significado mude nossa mentalidade, daqui para frente.
Amados amigos em Cristo, assim como Jesus comissionou seus discípulos a proclamar arrependimento e perdão de pecados a todas as nações, também somos chamados a ser embaixadores da reconciliação e instrumentos de paz em nosso mundo hoje. Cultivemos um profundo senso de paz em nossas vidas – uma paz que flui de nossa reconciliação com Deus através de Cristo. Busquemos incorporar essa paz em nossos relacionamentos, comunidades e mundo, buscando ativamente a reconciliação e a cura onde houver quebra e divisão, ao fazê-lo, as palavras de John Lennon se tornam práticas – “fazer a paz, praticar a paz, ser pacífico e dar a paz.” Isso reflete nosso conhecimento de Deus – caminhar em obediência aos mandamentos de Deus, sabendo que o verdadeiro discipulado é marcado por uma vida de obediência e amor, como refletido na Segunda Leitura.
Portanto, enquanto jornadeamos juntos como discípulos de Cristo, que a tríade de paz, arrependimento e obediência nos inspire. Que continuemos a experimentar o poder da ressurreição de Cristo em nossas vidas e comunidades, e que testemunhemos o amor e a graça de Deus em tudo o que fazemos. Que a paz de Cristo (a eirēnē) que transcende todo entendimento habite ricamente em nossos corações, e que sejamos fiéis depositários da paz, do arrependimento e da obediência que ele nos confiou.
Shalom!
© Pe. Chinaka Justin Mbaeri, OSJ
Seminário Padre Pedro Magnone, São Paulo, Brazil
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Já rezaste o teu terço hoje?