O FIM COMO PORTAL PARA UM NOVO COMEÇO
Primeira Leitura: Daniel 12:1-3
Salmo Responsorial: Salmo 16,5; 8, 9-10, 11
Segunda Leitura: Hebreus 10,11-14; 18
Evangelho: Marcos 13,24-32
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O conceito de “fim” frequentemente carrega um senso de finalização, perda e incerteza. Os seres humanos naturalmente resistem aos finais, seja o fim de uma vida, de um relacionamento ou de uma era, porque os finais estão frequentemente associados ao luto e ao desconhecido. Esse sentimento universal explica por que os finais são frequentemente recebidos com medo e hesitação: eles marcam a cessação do que é familiar, estável ou precioso. No entanto, os finais também podem anunciar mudança, renovação e novos começos, especialmente quando vistos sob a perspectiva da providência divina. É esse paradoxo que o Livro de Daniel apresenta, oferecendo uma visão de esperança e restauração que ressignifica o conceito de fim.
Em hebraico, a palavra frequentemente traduzida como “fim” no Livro de Daniel é קֵץ (qets), que denota não apenas término, mas um limite no tempo. Na Primeira Leitura de hoje (cf. Daniel 12:1-3), qets significa a conclusão de um período de angústia e a intervenção decisiva de Deus. O uso desse termo é relevante porque desloca o foco do desespero para a ação divina. O fim em Daniel não é uma dissolução caótica da história, mas uma transição propositada orquestrada por Deus, levando à justiça, ressurreição e vida eterna. Ele redefine a ideia de fim como um portal para um começo ordenado divinamente. Isso explica por que o Livro de Daniel foi escrito durante a intensa perseguição do povo judeu sob o governante selêucida Antíoco IV Epifânio, que tentou suprimir as práticas religiosas e a identidade judaica. O livro serviu como uma fonte de encorajamento e fé para uma comunidade sofredora, assegurando-lhes que suas provações não eram em vão. Por meio de suas visões apocalípticas, o livro revelou uma verdade oculta: a história, por mais caótica ou opressiva que pareça, está sob o controle de Deus. O propósito do livro é incutir esperança, afirmar a fidelidade de Deus e convocar o povo à firmeza diante da adversidade.
Nossa Primeira Leitura de hoje, situada na conclusão do livro, ilustra essa mensagem. Ela descreve um tempo de angústia sem precedentes, mas promete livramento divino para aqueles “cujos nomes estão escritos no livro”. A referência à ressurreição – “muitos dos que dormem no pó da terra despertarão” – é uma afirmação marcante de vida além da morte. Isso significa que o fim da vida terrena não é o fim definitivo, mas uma passagem para a recompensa ou julgamento eterno. Para os fiéis, é um novo começo na presença de Deus, onde eles “brilharão como o brilho do firmamento”. Nesta passagem, o fim ganha um significado mais rico. Não é mais uma fonte de medo, mas um momento de vindicação divina. Os justos têm a garantia de que seu sofrimento e fidelidade não serão esquecidos, mas levarão à glória eterna. Essa esperança não é abstrata; está enraizada na crença de que a justiça de Deus prevalecerá, mesmo diante de opressões esmagadoras.
A redefinição esperançosa do fim na Primeira Leitura de hoje encontra um paralelo harmônico no Salmo Responsorial (Salmo 16). O Salmo 16 é uma oração de confiança e segurança em Deus, proclamando: “Não abandonarás minha alma ao Sheol, nem permitirás que teu fiel veja a corrupção.” Essa declaração conecta-se diretamente ao tema da ressurreição em Daniel. A confiança do salmista reflete a segurança dada aos justos na visão de Daniel: aqueles que permanecem firmes em sua fidelidade a Deus serão libertos, até mesmo da morte. Essa confiança transforma a ideia de fim, oferecendo não apenas esperança de sobrevivência, mas a promessa de um novo começo eterno na presença do Senhor.
Os temas de “fim” e “novo começo,” profundamente enraizados na Primeira Leitura, encontram eco no Evangelho de hoje (cf. Marcos 13:24-32). Aqui, Jesus fala sobre eventos escatológicos – distúrbios cósmicos, a vinda do Filho do Homem e o ajuntamento dos eleitos. Esta passagem, frequentemente referida como parte do eschatos (grego: ἔσχατος, que significa “as últimas coisas”), reflete o ápice da história e a intervenção definitiva de Deus. Além disso, ela denota a parousia (grego: παρουσία, que significa “presença” ou “vinda”), o retorno esperado de Cristo em glória.
No Evangelho de hoje, Jesus usa uma linguagem vívida: o escurecimento do sol, o apagamento da lua e a queda das estrelas, sinalizando mudanças dramáticas na ordem criada. Esses sinais ecoam o tom apocalíptico de Daniel, onde o fim do sofrimento humano e o estabelecimento do reinado de Deus são retratados. A parousia – a vinda do Filho do Homem – cumpre a esperança expressa na visão de Daniel de livramento divino. Jesus conecta explicitamente Seu retorno ao cumprimento da profecia de Daniel, apresentando-Se como a figura central que inaugura esse novo começo.
O contexto do Evangelho de Marcos é crítico para entender a passagem. Escrito durante um período de turbulência e perseguição para os primeiros cristãos, esse discurso assegura aos fiéis que, apesar das tribulações que enfrentam, o plano de Deus está se desenrolando. A imagem do ajuntamento dos eleitos dos “quatro ventos” reflete o escopo universal da salvação, onde os fiéis, como aqueles em Daniel cujos nomes estão no “livro da vida,” são trazidos à comunhão eterna com Deus.
O termo “eschatos” simboliza as “últimas coisas,” não como um fim catastrófico, mas como o cumprimento das promessas de Deus. Essa reformulação reflete a descrição de Daniel do “fim” como uma transição em vez de uma terminação. Da mesma forma, a parousia não é um momento a temer, mas um de esperança, onde o retorno de Cristo traz justiça, vindicação e restauração para os fiéis. No Evangelho de hoje, Jesus enfatiza vigilância e prontidão: “Aprendam a lição da figueira. Quando seus ramos ficam tenros e brotam folhas, vocês sabem que o verão está próximo.” Essa metáfora se relaciona diretamente com a ideia de reconhecer os sinais da atividade de Deus na história e responder com fé. Assim como a audiência de Daniel foi chamada a perseverar e permanecer fiel em meio à perseguição, os discípulos em Marcos, e por extensão, todos os fiéis são convocados a viver em um estado de expectativa vigilante.
Para os fiéis contemporâneos, a mensagem é clara: o “fim” não é um momento a ser temido, mas um momento para viver, marcado por vigilância, fé e esperança. A promessa da “parousia” nos incentiva a permanecer firmes em nosso compromisso com Cristo, a confiar no tempo de Deus e a ver cada provação como um passo em direção ao cumprimento do Seu plano. Como os sábios em Daniel que brilham intensamente e os eleitos em Marcos que são reunidos por Cristo, somos chamados a viver em antecipação do novo começo que Deus preparou, onde Sua justiça, misericórdia e amor serão plenamente realizados.
Portanto, queridos amigos, coloquemos nossa confiança no sacrifício de Cristo, sabendo que Ele garantiu nossa vitória e redenção eterna. Somos chamados a viver em vigilância e fidelidade, incorporando a justiça e levando outros a Cristo pelo nosso testemunho. Mantenhamos firme nossa esperança na justiça de Deus, confiando que Ele corrigirá todas as injustiças e cumprirá Seu plano perfeito. Diante das provações, atendamos ao chamado à perseverança, permanecendo firmes na fé enquanto caminhamos rumo às promessas da vida eterna. Finalmente, participemos ativamente no “novo começo” inaugurado por Cristo, dedicando nossas vidas à oração, ao serviço e ao Evangelho, enquanto aguardamos a plenitude de Seu reino.
Shalom!
© Pe. Chinaka Justin Mbaeri, OSJ
Seminário Padre Pedro Magnone, São Paulo, Brasil
nozickcjoe@gmail.com / fadacjay@gmail.com
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