REFLEXÃO/HOMILIA PARA O VIGÉSIMO TERCEIRO DOMINGO DO TEMPO COMUM, ANO B

DA DUREZA DE CORAÇÃO (QESHEH LEV) À ABERTURA (EFATÁ)

Primeira Leitura: Isaías 35,4-7a
Salmo Responsorial: Salmo 145,6-7;8-9;9-10
Segunda Leitura: Tiago 2,1-5
Evangelho: Marcos 7,31-37

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A frase “קְשִׁי לֵב” (Qesheh lev), que significa dureza de coração em hebraico, reflete uma condição espiritual na qual a pessoa resiste a ouvir ou compreender a palavra de Deus. Em outras palavras, a ideia de dureza de coração implica tanto surdez espiritual (incapacidade de ouvir os comandos de Deus) quanto cegueira espiritual (incapacidade de perceber a presença de Deus). Isso revela um estado de resistência espiritual, onde as pessoas são metaforicamente “surdas” ou “cegas” para a voz e as ações de Deus, devido à dureza de seus corações. Desde o início da criação, o primeiro ato de desobediência da humanidade demonstra sua resistência à Palavra de Deus, o que levou à Queda. Esse ato introduziu o pecado no mundo e, com ele, uma forma de surdez e cegueira espiritual. Adão e Eva não podiam mais ver ou ouvir a Deus com a clareza que tinham antes. Sua comunhão com Deus foi quebrada, e essa ruptura começou a permear toda a relação da humanidade com Deus. À medida que as gerações progrediram, a humanidade continuou a resistir à Palavra de Deus. Desde a história de Caim e Abel até os eventos que culminaram no dilúvio, o pecado obscureceu os corações das pessoas. Cada ato de pecado criou uma distância espiritual mais profunda, tornando-as cada vez mais surdas aos chamados de Deus e mais cegas à Sua presença. As tentativas de Deus de trazer as pessoas de volta a Si mesmo eram muitas vezes recebidas com teimosia e resistência. Na época dos patriarcas e da formação de Israel como povo, Deus estabeleceu uma aliança com eles. Ele lhes deu leis, profetas e juízes para guiá-los e para manter seus sentidos espirituais (audição e visão) abertos. No entanto, até mesmo Israel, escolhido para ser o povo de Deus, frequentemente se afastava Dele. Eles caíram na idolatria, ignoraram Seus comandos e tornaram-se espiritualmente surdos às Suas advertências.

Os profetas, incluindo Isaías, foram enviados por Deus como instrumentos de Sua misericórdia para chamar o povo de volta à fidelidade. Em Proto-Isaías (os primeiros 39 capítulos de Isaías), o profeta dirigia-se continuamente ao povo de Judá sobre seu estado espiritual. Eles haviam fechado seus ouvidos à Palavra de Deus e desviado seus olhos de Suas instruções. Isaías 6,9-10 retrata isso, onde Deus ordena a Isaías que entregue uma mensagem a um povo que “ouvirá, mas não compreenderá, verá, mas não perceberá”. Isso mostra a profunda surdez e cegueira espiritual que havia dominado o povo. Seus corações estavam endurecidos pelo pecado, e sua desobediência contínua os afastou ainda mais da luz da verdade de Deus. Isaías advertiu que o pecado deles levaria à catástrofe. A cegueira espiritual do povo os tornava incapazes de reconhecer os perigos de suas ações, e sua surdez espiritual os fazia ignorar os profetas que tentavam trazê-los de volta à aliança. Sua recusa em ouvir os repetidos avisos de Deus, transmitidos por Isaías e outros profetas, acabaria resultando no exílio babilônico, um período de grande sofrimento e deslocamento. O exílio foi tanto um castigo por seus pecados quanto uma oportunidade de purificação.

O povo de Judá experimentou todas as consequências de sua condição espiritual, perdendo sua terra, seu templo e sua liberdade. No entanto, as profecias de Isaías não falavam apenas de punição. Apesar da rebeldia, Deus não abandonou Seu povo. Na Primeira Leitura de hoje (cf. Isaías 35,4-7a), vemos uma promessa de restauração. Deus não deixaria Seu povo na surdez e cegueira espiritual para sempre. O profeta declara que Deus virá para salvar; os olhos dos cegos serão abertos e os ouvidos dos surdos serão desobstruídos. Essa poderosa imagem fala tanto de cura física quanto espiritual. Deus promete desfazer os efeitos do pecado que tornaram Seu povo surdo e cego. A terra seca e árida, simbolizando sua desolação espiritual, se tornará um lugar de vida e renovação. Assim, a cura dos surdos e cegos foi um sinal da chegada da era messiânica, onde o plano supremo de Deus para a salvação seria cumprido. Esta restauração não traria apenas cura física, mas também simbolizaria uma abertura espiritual mais profunda — onde a humanidade voltaria a ouvir e ver a Deus claramente. Assim, essa leitura aponta para essa esperança futura, onde os efeitos do pecado serão revertidos e a criação de Deus será restaurada à sua harmonia original.

O cumprimento final dessa promessa viria através de Jesus Cristo, que curaria tanto física quanto espiritualmente, abrindo os ouvidos dos surdos e os olhos dos cegos, como um sinal do reino de Deus rompendo no mundo, como vemos na leitura do Evangelho de hoje (cf. Marcos 7,31-37), onde o comando de Jesus “Efatá” (“Seja aberto”) serve como cumprimento das profecias sobre o Messias. Este momento não é apenas sobre a cura física do homem surdo e mudo; ele tem um significado espiritual mais profundo. A ação de Jesus simboliza o início de uma era em que a surdez e cegueira espiritual da humanidade — causadas pelo pecado — estão sendo enfrentadas. O homem que não pode ouvir ou falar claramente representa a condição da humanidade, não apenas no tempo de Isaías, mas ao longo da história, à medida que as pessoas resistiam aos chamados de Deus e estavam cegas para Sua presença. O comando de Jesus “Efatá” conecta-se diretamente à visão profética de cura e restauração descrita em Isaías. O ato físico de abrir os ouvidos desse homem simboliza a renovação espiritual que Jesus oferece a todas as pessoas. O pecado, que havia fechado os corações e mentes das pessoas para Deus, está sendo desfeito pelo Messias. Nesta cura, Jesus mostra que a era da salvação, prometida há tanto tempo, está sendo cumprida. Seu comando é tanto literal quanto simbólico — um chamado para toda a humanidade se abrir para a graça e a verdade que Deus oferece através de Seu Filho. A raiz hebraica desta ideia, onde o coração (lev) é frequentemente visto como o centro do entendimento, está ligada à ideia de surdez e cegueira espiritual como resultado de um coração endurecido (qesheh lev). No Antigo Testamento, particularmente através dos profetas, o povo de Israel era frequentemente descrito como de dura cerviz e de coração endurecido, incapaz de responder ao chamado de Deus. Sua incapacidade de ouvir a voz de Deus ou ver Suas ações não era apenas uma questão física, mas profundamente espiritual. Com “Efatá”, Jesus reverte os efeitos dessa condição espiritual, restaurando não apenas os sentidos físicos, mas a capacidade de ouvir e ver a verdade de Deus.

Isso nos leva a uma conexão prática com a Segunda Leitura (de Tiago 2:1-5), onde Tiago aborda o pecado do favoritismo na comunidade cristã. Tiago adverte contra o tratamento preferencial aos ricos enquanto negligencia os pobres, lembrando aos crentes que Deus escolheu os pobres para serem ricos em fé. Assim como o Evangelho fala da necessidade de abrir-se espiritualmente, Tiago nos lembra que nossos corações devem estar abertos para ver cada pessoa como igual aos olhos de Deus. A surdez e cegueira espiritual, nesse contexto, podem se manifestar em nossa incapacidade de ver a dignidade dos outros, particularmente os marginalizados. Quando falhamos em honrar os pobres, estamos fechando nossos corações ao chamado de Deus para justiça e amor. Portanto, assim como Jesus abriu os ouvidos do homem surdo, somos chamados a abrir nossos corações para aqueles que muitas vezes ignoramos ou desprezamos.

Queridos amigos em Cristo, no rito do Batismo, a Igreja incorpora esse mesmo comando divino “Efatá”, usado por Jesus, durante o sacramento. Como parte da cerimônia, o sacerdote toca os ouvidos e a boca do recém-batizado, dizendo: “O Senhor Jesus fez o surdo ouvir e o mudo falar, que logo toque seus ouvidos para receber Sua palavra, e sua boca para proclamar Sua fé, para louvor e glória de Deus Pai”. Este gesto simboliza a abertura das faculdades espirituais — ouvidos para ouvir a Palavra de Deus e lábios para proclamá-la — assim como Jesus abriu os ouvidos do homem surdo no Evangelho. Para o recém-batizado, esse momento representa não apenas a purificação do pecado original, mas também a abertura da alma à graça de Deus. O comando Efatá no Batismo nos lembra que o sacramento é o início da nossa jornada espiritual: agora somos capazes de ouvir, entender e proclamar as verdades da fé, que anteriormente estavam bloqueadas pela surdez e cegueira do pecado. Através do Batismo, nossos corações são abertos, assim como os ouvidos do homem surdo, para participar plenamente da vida de graça e da Igreja.

Portanto, a mensagem das leituras de hoje nos convida a examinar nossa própria surdez e cegueira espiritual, causadas pelo pecado e pelos corações endurecidos, e a permitir que o poder curador de Cristo nos abra para a presença e verdade de Deus, por meio da celebração eucarística e do estudo da Palavra de Deus. Assim como Jesus ordenou “Efatá” ao homem surdo, Ele chama cada um de nós a sermos abertos—não apenas fisicamente, mas espiritualmente—para que possamos verdadeiramente ouvir e responder à palavra de Deus e ver Sua graça em cada pessoa, especialmente naqueles marginalizados ou esquecidos. Por meio dessa abertura, participamos da restauração prometida por Deus, tornando-nos testemunhas de Sua justiça, amor e misericórdia em nossas vidas diárias.

Shalom!
© Pe. Chinaka Justin Mbaeri, OSJ
Seminário Padre Pedro Magnone, São Paulo, Brasil
nozickcjoe@gmail.com / fadacjay@gmail.com


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Chinaka Justin Mbaeri

A staunch Roman Catholic and an Apologist of the Christian faith. More about him here.

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