DOIS CAMINHOS, DOIS DESTINOS: A ESCOLHA ENTRE CONFIAR EM DEUS OU NO MUNDO
Primeira Leitura: Jeremias 17,5-8
Salmo Responsorial: Salmo 1,1-4.6
Segunda Leitura: 1 Coríntios 15,12.16-20
Evangelho: Lucas 6,17.20-26
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A vida é cheia de escolhas, e cada escolha que fazemos traz consequências. A tradição judaica, profundamente enraizada na Torá e na literatura sapiencial, frequentemente apresenta a vida como um caminho com duas direções—um levando à vida e à bênção, e o outro à destruição e à maldição. Essa compreensão binária do destino humano é claramente expressa em Deuteronômio 30,19, onde Moisés diz aos israelitas: “Chamo hoje o céu e a terra como testemunhas contra vós: eu vos propus a vida e a morte, a bênção e a maldição. Escolhei, pois, a vida, para que vivais, vós e vossa descendência.” Essa ideia não é apenas um ensinamento antigo, mas uma realidade profunda da existência humana. Todos os dias, somos confrontados com escolhas: confiar em Deus ou na força humana, construir sobre fundamentos eternos ou sobre seguranças passageiras, viver para o Reino de Deus ou para os bens do mundo.
A primeira leitura de hoje (Jeremias 17,5-8) reflete vividamente esse tema. O profeta Jeremias, ecoando a sabedoria de Moisés, descreve dois caminhos e dois destinos—um de maldição e outro de bênção—com base em onde uma pessoa deposita sua confiança. No pensamento bíblico, a bênção não é apenas um sentimento momentâneo de felicidade, mas uma realidade divina que define o relacionamento da pessoa com Deus. A Bíblia usa várias palavras para descrever a bênção, cada uma com significados diferentes. O termo “Barukh” (בָּרוּךְ) é usado em Jeremias 17,7 para descrever a pessoa abençoada por Deus. É uma bênção declarativa, frequentemente pronunciada por Deus ou por uma autoridade, e significa um estado divino de favor, em vez de mera alegria pessoal. Outro termo comum, “Ashrei” (אַשְׁרֵי), é usado nos Salmos e nas Bem-Aventuranças de Jesus para descrever um estado de bem-estar espiritual, uma condição de felicidade interior enraizada na confiança em Deus. Um terceiro termo, “Berakhah” (בְּרָכָה), refere-se a uma bênção como um dom ou favor tangível de Deus, como visto em Gênesis 12,2, quando Deus diz a Abraão: “Eu te abençoarei e engrandecerei o teu nome.”
Na primeira leitura de hoje, vemos que bênção (בָּרוּךְ – Barukh) e maldição (אָרוּר – Arur) não são apenas emoções, mas estados de vida ligados ao relacionamento da pessoa com Deus. Jeremias viveu em um tempo de crise nacional—a invasão babilônica era iminente, e muitos israelitas estavam abandonando a confiança em Deus e buscando alianças com potências estrangeiras. O povo estava confiando em governantes humanos, forças militares e estratégias políticas, em vez de em Javé. Esta passagem, portanto, serve como advertência e como promessa: aqueles que confiam no poder humano serão amaldiçoados (Arur) e se tornarão como um arbusto seco no deserto, enquanto aqueles que confiam no Senhor serão abençoados (Barukh) e florescerão como uma árvore plantada junto às águas.
A imagem usada por Jeremias é poderosa e lembra o Salmo 1 (o Salmo Responsorial de hoje), onde os justos são comparados a uma árvore plantada junto a um rio, que dá fruto no tempo certo, enquanto os ímpios são como a palha que o vento dispersa. O contraste é claro. O amaldiçoado, descrito como “Arur ha’gever” (אָרוּר הַגֶּבֶר), está cortado da graça divina, destinado à destruição. A frase “quem confia no homem e faz da carne sua força” implica dependência da força humana em vez da providência divina. O coração dessa pessoa se afasta do Senhor, levando a um estado de exílio espiritual, esterilidade e ruína final. Por outro lado, a pessoa abençoada, “Barukh ha’gever” (בָּרוּךְ הַגֶּבֶר), vive na graça de Deus porque deposita sua confiança no Senhor. A imagem da árvore plantada junto às águas enfatiza estabilidade, resistência e nutrição constante de Deus. Essa pessoa não teme as dificuldades, pois sua fonte de vida está enraizada em algo mais profundo do que as circunstâncias. Esta não é apenas uma lição moral, mas uma realidade da aliança—confiar em Deus traz vida e segurança, enquanto rejeitá-lo leva ao vazio espiritual.
Isso nos leva ao Evangelho de hoje, onde Jesus também fala sobre a bênção, mas com uma mudança significativa. Nas Bem-Aventuranças de Lucas (6,20-26), Jesus diz: “Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus. Bem-aventurados vós que agora tendes fome, porque sereis saciados. Bem-aventurados vós que agora chorais, porque rireis.” Aqui, a palavra usada no grego é “Makarios” (Μακάριος), que corresponde ao hebraico “Ashrei” (אַשְׁרֵי), em vez de “Barukh” (בָּרוּךְ). “Ashrei” refere-se a um estado de felicidade, bem-estar espiritual e plenitude. Diferente de Jeremias, que fala de bênção (Barukh) em termos de confiança em Deus, Jesus aprofundou o significado, mostrando que os que sofrem por causa da justiça são verdadeiramente abençoados (Makarios).
O contexto social dessa mensagem era muito claro. Jesus vivia em um mundo marcado por injustiças sociais, desigualdades econômicas e estruturas de poder opressivas. A ocupação romana impunha pesados impostos sobre a população judaica, beneficiando oficiais romanos, governantes herodianos e a elite do templo, enquanto empobreciam as pessoas comuns. A maioria do público de Jesus era formada por camponeses, pescadores e trabalhadores, muitos dos quais estavam endividados devido aos altos impostos e à perda de terras. Os ricos—saduceus, cobradores de impostos e proprietários de terras—controlavam os recursos e frequentemente exploravam os pobres. Na sociedade daquela época, os ricos eram vistos como “abençoados” e os pobres, como “amaldiçoados”.
É por isso que Jesus inverte essa lógica e declara que os pobres são verdadeiramente abençoados. Não porque a pobreza em si seja uma bênção, mas porque a dependência de Deus é o que realmente importa. Em contrapartida, Ele pronuncia “ais” sobre os ricos e satisfeitos, não porque a riqueza seja intrinsecamente má, mas porque pode criar uma falsa sensação de segurança e auto-suficiência, afastando as pessoas da verdadeira bênção de Deus.
Assim como Jeremias advertiu que confiar nas riquezas e no poder humano leva à destruição, Jesus faz o mesmo ao mostrar que aqueles que procuram a recompensa nesta vida podem perder a bênção eterna do Reino de Deus. Por isso, Paulo, na segunda leitura (1 Coríntios 15,12.16-20), completa essa reflexão, afirmando que a verdadeira bênção está na ressurreição de Cristo e não nas riquezas terrenas.
A grande pergunta para nós hoje é: onde colocamos nossa confiança? A verdadeira segurança só vem de Deus. Confiamos Nele ou no que é passageiro? Que possamos escolher o caminho da verdadeira bênção, enraizados na fé, nutridos pela Palavra de Deus e realizados em Cristo. Amém.
Ó que hoje ouvísseis a sua VOZ, não endureçais os vossos corações! (Sl 95,7)
Shalom!
© Pe. Chinaka Justin Mbaeri, OSJ
Seminário Padre Pedro Magnone, São Paulo, Brasil
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