Quando a Força se Torna uma Maldição: O Orgulho que nos Afasta de Deus
Primeira Leitura: Eclesiástico 17,1-13
Salmo Responsorial: Sl 102(103),13-18
Evangelho: Marcos 10,13-16
________________________________________
A história está repleta de exemplos de grandes indivíduos que construíram impérios, conquistaram fama e alcançaram o auge do poder, apenas para caírem de maneira espetacular. Um dos exemplos mais trágicos é Napoleão Bonaparte. Gênio militar, ele saiu do anonimato para se tornar Imperador da França, dominando a Europa. Mas sua arrogância o levou a ultrapassar todos os limites. Em 1812, contra todos os avisos, ele invadiu a Rússia, acreditando que seu exército era invencível. O resultado? Uma retirada desastrosa, a perda de centenas de milhares de soldados e, por fim, exílio e humilhação. O homem que governou quase toda a Europa morreu como prisioneiro em uma ilha remota, impotente e esquecido. Sua queda não aconteceu por falta de inteligência ou força, mas por sua recusa em reconhecer limites. Ele pensava ser intocável. Mas, como todos os seres humanos, ele era apenas pó.
Não somos diferentes. Vivemos em um mundo que idolatra a independência. Somos ensinados a sermos fortes, a nunca depender de ninguém e a “construir nosso próprio destino”. As pessoas se orgulham de serem autossuficientes, rejeitando qualquer ideia de que precisam de Deus. Ouvimos frases como: “Eu não preciso de ninguém”, “Eu controlo meu próprio destino” e “Apenas os fracos precisam de religião.” Mas o que acontece quando a vida nos humilha? Uma crise financeira destrói anos de trabalho. Uma traição arruína um casamento aparentemente perfeito. Uma doença repentina nos lembra que nossos corpos não são tão invencíveis quanto pensávamos. Quando tudo desmorona, somos forçados a encarar uma verdade que passamos a vida toda ignorando: nunca estivemos no controle.
A primeira leitura, do livro do Eclesiástico 17,1-15, confronta essa ilusão. Ela nos lembra que Deus criou os seres humanos a partir do pó e determinou limites para nossos dias. A palavra hebraica para “pó” usada nesse trecho é ʿāp̄ār (עָפָר), que não significa apenas poeira física, mas também fragilidade e insignificância. Não importa o quão poderoso alguém se torne, diante de Deus, ele continua sendo pó. O autor sagrado afirma que Deus concede sabedoria ao ser humano, não para que ele se glorifique, mas para que reconheça sua dependência do Criador. No entanto, a maioria das pessoas usa essa sabedoria de forma errada. Elas se vangloriam de suas conquistas e se recusam a reconhecer Deus – até que o sofrimento chegue. Só então, no desespero, buscam aquele mesmo Deus que ignoraram. Mas e se a verdadeira sabedoria não consistisse apenas em buscar Deus na fraqueza? E se a verdadeira sabedoria fosse reconhecer a necessidade Dele mesmo quando nos sentimos fortes?
O Salmo Responsorial (Salmo 103,13-18) aprofunda essa reflexão ao revelar o coração de Deus. O salmista compara o amor divino ao de um pai que compreende a fragilidade de seus filhos. Ele sabe que somos pó. Deus não espera perfeição de nós; Ele espera dependência. Mas aqui está o problema: não queremos ser vistos como fracos. A sociedade nos diz que depender de Deus é coisa do passado, que a fé é uma muleta para os fracos. É por isso que muitas pessoas se recusam a rezar, a menos que estejam desesperadas. Elas querem provar que conseguem lidar com a vida sozinhas. Mas e se recusar-se a depender de Deus não for um sinal de força, mas de tolice? E se o ato mais forte que podemos realizar for reconhecer nossas limitações e nos render a Ele?
Jesus leva essa ideia ainda mais longe no Evangelho de Marcos 10,13-16, onde faz algo chocante: Ele coloca as crianças como modelo de como devemos nos aproximar de Deus. Os discípulos tentam afastá-las, acreditando que Jesus deveria focar em pessoas “importantes”, e não nos fracos e insignificantes. Mas Jesus os repreende, dizendo: “Quem não receber o Reino de Deus como uma criança, não entrará nele.” A palavra grega usada para “criança” aqui é “paidion” (παιδίον), que se refere a uma criança pequena, completamente dependente dos pais. Uma criança não pode sobreviver sozinha; ela precisa de cuidado, orientação e proteção. Jesus está dizendo que, a menos que venhamos a Deus com essa mesma dependência, não somos dignos do Reino. Isso desafia diretamente o pensamento moderno. O mundo nos ensina a sermos autossuficientes; Jesus nos ensina a sermos como crianças. O mundo diz que depender de alguém é fraqueza; Jesus diz que a única forma de alcançar a vida eterna é depender de Deus.
Meus queridos irmãos e irmãs em Cristo, essa mensagem é difícil para muitos aceitarem. Ela exige humildade. Nos obriga a admitir que, por mais que conquistemos na vida, continuamos sendo pó. Mas abraçar essa verdade nos conduz à verdadeira liberdade. Quando paramos de tentar controlar tudo, encontramos paz. Quando entregamos nossa força a Deus, Ele nos dá um poder real – aquele que não desaparece com o tempo.
Eis o desafio: somos orgulhosos demais para admitir que precisamos de Deus? Vemos a dependência Dele como fraqueza ou como sabedoria? Continuaremos fingindo que estamos no controle ou finalmente abraçaremos a confiança infantil que Jesus nos pede? A resposta a essas perguntas determinará não apenas como viveremos, mas onde passaremos a eternidade.
Oxalá ouvísseis hoje a sua VOZ: não fecheis os vossos corações! (Sl 95,7)
Shalom!
© Pe. Chinaka Justin Mbaeri, OSJ
Seminário Padre Pedro Magnone, São Paulo, Brasil.
📧 nozickcjoe@gmail.com / fadacjay@gmail.com
Você já rezou o seu terço hoje?