VOZ DO LOGOS (14): REFLEXÃO/HOMILIA PARA O OITAVO DOMINGO DO TEMPO COMUM, ANO C

A Atitude “Mais Santo Que os Outros” Que Leva à Própria Queda

Primeira Leitura: Eclesiástico 27,5-8
Salmo Responsorial: Sl 91(92),2-3,13-16
Segunda Leitura: 1 Coríntios 15,54-58
Evangelho: Lucas 6,39-45
________________________________________

É comum encontrar pessoas que agem como se fossem moralmente superiores aos outros. Vemos isso em comunidades religiosas, locais de trabalho e até mesmo entre amigos e familiares. Há aqueles que acreditam que estão acima de qualquer reprovação, rápidos em apontar os defeitos dos outros enquanto permanecem cegos para suas próprias falhas. Esse tipo de atitude, frequentemente rotulada como “mais santo que os outros”, pode ser encontrada na forma como alguns indivíduos religiosos tratam aqueles que percebem como pecadores, como alguns líderes impõem regras que não seguem, ou até mesmo na autossuficiência demonstrada nas redes sociais, onde as pessoas julgam os outros severamente sem autocrítica. Embora afirmem defender a verdade e a justiça, suas palavras e ações revelam hipocrisia. Ironia das ironias, a história e as experiências pessoais mostram que essas pessoas muitas vezes acabam expondo suas próprias falhas e sofrendo desgraça pública. O orgulho que as faz olhar com desprezo para os outros acaba se tornando a causa de sua queda. Um exemplo bem típico disso é Michael Voris, o fundador da Church Militant. Durante anos, Voris e a Church Militant adotaram uma postura agressiva ao expor o que viam como corrupção, falhas morais e laxismo doutrinal dentro da Igreja Católica. Ele frequentemente condenava bispos, padres e leigos que percebia como comprometendo a fé, às vezes com um tom de superioridade moral, chegando a criticar até mesmo o Papa Francisco, pedindo-lhe que renunciasse. Contudo, em 2023, Voris renunciou à Church Militant após surgirem relatos sobre suas lutas pessoais e má conduta relacionada à homossexualidade e outros problemas morais que ele outrora condenava na Igreja, revelando um contraste entre sua persona pública e sua vida privada. Nesse contexto, as leituras de hoje nos chamam a refletir sobre os perigos da hipocrisia e da autossuficiência, que são centrais para a atitude de “mais santo que os outros”.

A Primeira Leitura, do livro da Sabedoria de Sirácida (Eclesiástico 27,5-8), enfatiza a importância de julgar os outros com cautela e destaca que o verdadeiro caráter de uma pessoa é revelado por suas ações, especialmente por suas palavras. Sirácida usa imagens como a peneira e o forno do oleiro para ilustrar como a verdadeira natureza de uma pessoa é testada e exposta com o tempo. A passagem adverte contra o elogio ou julgamento precipitado com base apenas nas aparências exteriores, pois suas palavras e ações, no fim, revelarão sua integridade. O texto convida à autoconsciência e à reflexão sobre as próprias ações antes de apontar as falhas dos outros. Assim como a peneira separa os resíduos do trigo bom e o trabalho do oleiro é testado no forno, as palavras de uma pessoa revelam seu estado interior. Se alguém fala habitualmente com arrogância e autossuficiência, suas próprias palavras acabarão por denunciar sua hipocrisia. A passagem também reflete o conceito hebraico de “tahor” (pureza) versus “tamei” (impureza). No pensamento judaico, a pureza ritual exterior deveria refletir uma pureza interior do coração, mas aqueles com uma mentalidade de “mais santo que os outros” muitas vezes se preocupam apenas com as aparências e negligenciam sua própria corrupção interior.

Esse sentimento se conecta diretamente ao Salmo Responsorial (Salmo 92), que fala da justiça daqueles que estão enraizados em Deus. O Salmista diz: “O justo florescerá como a palmeira, como o cedro do Líbano crescerá.” A imagem da pessoa justa florescendo se alinha com o ensinamento de Eclesiástico. Assim como o justo é como uma árvore saudável e forte, firme e frutífera, também suas ações e palavras são um reflexo de sua integridade. O Salmo descreve como o justo está profundamente enraizado na casa do Senhor, dando frutos até na velhice. Isso reflete a ideia de que a pureza do coração, testada e confirmada pelo tempo, produz bons frutos tanto nas palavras quanto nas ações. O contraste com a atitude “mais santo que os outros” é visto aqui: aqueles que realmente são justos não precisam se gabar ou exibir sua bondade; sua integridade é evidente na maneira como vivem suas vidas, assim como o fruto de uma árvore fala por si. Tanto o Salmo quanto Eclesiástico apontam para a importância da justiça consistente, onde o verdadeiro caráter, como a árvore que floresce, é visto não pelo julgamento externo, mas por uma vida que reflete a pureza interior e a virtude.

A leitura do Evangelho de Lucas (6:39-45) continua esse tema ao abordar os perigos da hipocrisia e da cegueira espiritual. Jesus pergunta: “Pode um cego guiar outro cego? Não cairão ambos no buraco?” Nessas palavras, Jesus destaca a inconsistência e a tolice de quem julga os outros enquanto permanece cego para suas próprias falhas. A palavra grega “hipócrita” (ὑποκριτής), que significa ator ou fingidor, é fundamental aqui. Ela se refere a alguém que usa uma máscara, fingindo ser algo que não é. Isso reflete a atitude de “mais santo que os outros”, onde a justiça externa é exibida enquanto a realidade interior está longe de ser pura. O ensinamento de Jesus alerta diretamente contra esse tipo de autossuficiência, nos exortando a tratar primeiro nossas próprias falhas antes de tentar corrigir os outros. A metáfora do “cego guiando o cego” fala da futilidade de oferecer orientação espiritual ou correção moral se a própria visão estiver turvada pelo orgulho e pela hipocrisia.

O Evangelho também ensina que “uma árvore boa não dá frutos ruins, nem uma árvore ruim dá frutos bons.” Isso ilustra o princípio da pureza interior; o bem que vem de dentro se manifesta exteriormente nas ações, palavras e relacionamentos. Assim como a árvore é conhecida por seu fruto, a verdadeira natureza de uma pessoa eventualmente será revelada por sua conduta. A atitude de “mais santo que os outros” é exposta por aquilo que é – uma mera aparência externa, sem a genuína bondade que vem de um coração puro. As palavras de Jesus nos desafiam a refletir sobre nossa própria integridade e examinar se nossas ações estão de acordo com nossos valores professados.

Passando para a Segunda Leitura de 1 Coríntios (15:54-58), São Paulo nos oferece uma perspectiva final sobre viver com integridade e consistência. Paulo fala da ressurreição e da vitória sobre a morte, que é possível através do poder de Cristo. Sua exortação para permanecermos firmes e inabaláveis no trabalho para o Senhor é um lembrete da importância da fé autêntica. Para Paulo, a integridade e a justiça não vêm da aparência de santidade ou da autossuficiência, mas da genuína transformação que a ressurreição de Cristo traz à vida de um crente. A palavra grega ἀναστάσις (anástasis), que significa ressurreição, carrega a ideia de nova vida; uma vida em que o crente é constantemente transformado de dentro para fora. Essa transformação é o antídoto para a atitude de “mais santo que os outros”, pois a verdadeira fé exige uma constante virada da hipocrisia e um alinhamento crescente dos nossos corações com a vontade de Deus.

Tanto o Evangelho quanto a Segunda Leitura nos exortam a examinar nossos corações e garantir que nossas ações exteriores correspondam aos pensamentos e à realidade interior. A verdadeira santidade não vem do julgamento ou condenação dos outros, mas da integridade pessoal e da consistência que surgem de uma vida enraizada em Cristo. Jesus nos chama à humildade, autoconsciência e autenticidade, enquanto Paulo nos lembra que a vitória sobre o pecado e a morte não se trata de aparências externas, mas da transformação contínua que vem pela ressurreição. Essas lições falam à nossa vida cotidiana, nos chamando a evitar a tentação da autossuficiência e a focar, em vez disso, em cultivar uma fé genuína e humilde que alinhe nossas ações com a verdade. Devemos estar vigilantes para não cair na armadilha de julgar os outros precipitadamente ou agir como se fôssemos moralmente superiores. Em vez disso, somos convidados a viver vidas de sinceridade, onde nossa pureza interior se alinha com nossas ações exteriores. Isso significa não apenas buscar a santidade pessoal, mas também reconhecer a dignidade e o valor inerentes aos outros, sem julgamento autossuficiente. Somos chamados a examinar nossas próprias falhas primeiro, e com humildade, oferecer orientação e apoio aos outros. A mensagem é clara: a verdadeira bondade vem de dentro, e é através de nossa integridade, enraizada em Cristo, que damos bons frutos em nossos relacionamentos com os outros.

Oxalá ouvísseis hoje a sua VOZ: não fecheis os vossos corações! (Sl 95,7)


Shalom!
© Pe. Chinaka Justin Mbaeri, OSJ
Seminário Padre Pedro Magnone, São Paulo, Brasil.
📧 nozickcjoe@gmail.com / fadacjay@gmail.com


Você já rezou o seu terço hoje?

NEVER MISS AN UPDATE AGAIN.

Subscribe to latest posts via email.


Chinaka Justin Mbaeri

A staunch Roman Catholic and an Apologist of the Christian faith. More about him here.

View all posts
Subscribe
Notify of
guest

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.

0 Comments
Oldest
Newest Most Voted
Inline Feedbacks
View all comments
0
Would love your thoughts, please comment.x
()
x

Discover more from Fr. Chinaka's Media

Subscribe now to keep reading and get access to the full archive.

Continue reading