OS PERIGOS OCULTOS DA DECADÊNCIA MORAL NA SOCIEDADE MODERNA
Primeira Leitura: Gênesis 6:5-8, 7:1-5,10
Salmo Responsorial: Salmo 28(29):1-4,9-10
Evangelho: Marcos 8:14-21
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O fermento é uma substância pequena, mas poderosa, que tem sido usada por milênios na panificação e na fermentação. Uma pequena quantidade pode transformar uma inteira massa de pão, fazendo-a crescer e expandir. Devido a essa propriedade, o fermento frequentemente é usado simbolicamente para representar as forças ocultas que influenciam um sistema, seja para o bem ou para o mal. Ele se espalha, permeia e muda tudo o que toca. Esse simbolismo é encontrado em muitas culturas e tradições religiosas, incluindo o judaísmo e o cristianismo, onde o fermento é frequentemente uma metáfora tanto para a corrupção do pecado quanto para o poder regenerativo da influência divina. Na tradição judaica, o termo para fermento ou levedura é שְׂאוֹר (se’or), que aparece na Torá principalmente no contexto da Páscoa. Os israelitas foram comandados a remover todo “se’or” de suas casas antes de celebrar a Festa dos Pães Ázimos (Chag HaMatzot), comemorando sua partida apressada do Egito, quando não tiveram tempo para deixar sua massa fermentar. O fermento, neste contexto, veio a simbolizar a influência do pecado, corrupção e impureza — algo que deve ser purgado para ser espiritualmente limpo. A proibição do pão levedado durante a Páscoa não era apenas sobre dieta, mas sobre remover as velhas influências da escravidão, pecado e mundanismo. Na mentalidade judaica, a levedura representava a disseminação lenta, mas certa, da decadência moral, assim como um pouco de fermento eventualmente trabalha através de toda uma massa de pão.
No Novo Testamento grego, a palavra para fermento é ζύμη (zymē), e como no pensamento judaico, é frequentemente usada metaforicamente para descrever tanto influências negativas quanto positivas. Em muitos casos, “zymē” está associada à influência corruptora do pecado, hipocrisia e ensino falso. Jesus frequentemente alerta contra o “fermento dos fariseus e dos saduceus”, referindo-se à hipocrisia e legalismo deles, que distorciam a verdadeira adoração a Deus. Ao mesmo tempo, em uma luz mais positiva, “zymē” é usada na parábola do Reino dos Céus em Mateus 13:33, onde Ele descreve o reino como fermento que uma mulher tomou e misturou na farinha até que tudo estivesse completamente levedado, mostrando como o domínio de Deus começa pequeno, mas gradualmente transforma tudo. O fermento, portanto, representa uma força invisível, mas poderosa, que tem a capacidade de influenciar todo um sistema, corrompendo-o ou renovando-o.
Este conceito é pertinente para entender a Primeira Leitura (Gênesis 6:5-8; 7:1-5,10), onde o Senhor vê que a maldade do homem era grande sobre a terra e que cada inclinação dos pensamentos de seu coração era somente mal o tempo todo. A passagem descreve um mundo completamente permeado pela corrupção, muito parecido com um pedaço de massa inteiramente levedado pelo fermento. Assim como uma pequena quantidade de fermento se espalha pela massa, assim também o pecado se espalhou pela humanidade, corrompendo tudo. Este não foi um caso de mal isolado, mas uma maldade sistêmica, consumindo tudo. A linguagem usada em Gênesis 6:5 enfatiza a total depravação da condição humana — não apenas ações pecaminosas, mas as próprias inclinações (יֵצֶר yetzer) do coração eram continuamente malignas. A ideia de “yetzer” em hebraico refere-se aos pensamentos e desejos profundos e formativos que moldam as ações humanas. Esta corrupção não era externa, mas profundamente enraizada na profundidade moral e espiritual da humanidade.
Assim como a tradição da Páscoa exigia a remoção de “se’or”, o Senhor viu que o mundo em si precisava ser purgado. O dilúvio tornou-se um meio de limpeza, de remover o velho fermento do pecado que havia permeado a raça humana. Noé e sua família, como pão ázimo, foram preservados como um remanescente puro — um novo começo livre da influência corruptora do mundo. O dilúvio, então, não é apenas uma história de destruição, mas de purificação e renovação, uma tentativa de remover o velho fermento e reiniciar a criação com uma fundação justa.
Em Marcos 8:14-21, Jesus retoma essa imagem quando adverte Seus discípulos para “Cuidado com o fermento (zymē) dos fariseus e de Herodes.” O contexto dessa afirmação é significativo. Os discípulos estavam preocupados porque haviam esquecido de trazer pão, e quando Jesus falou de fermento, eles entenderam mal, pensando que Ele estava falando de pão físico. Jesus, ciente de sua confusão, os repreende pela falta de entendimento, dizendo: “Vosso coração está endurecido? Tendes olhos e não vedes, e ouvidos e não ouvis?” (Marcos 8:17-18). A frase “coração endurecido” (πεπωρωμένην καρδίαν – pepōrōmenēn kardian) é chave — ela se conecta diretamente ao coração corrupto da humanidade em Gênesis 6. Assim como as pessoas do tempo de Noé estavam cegas para o seu pecado, os discípulos estavam cegos para o significado mais profundo das palavras de Jesus.
O fermento dos fariseus representa hipocrisia, autojustiça e cegueira espiritual. Eles tinham uma aparência externa de religiosidade, mas seus corações estavam longe de Deus. Seus ensinamentos, como fermento, espalhavam corrupção em vez de verdade, levando as pessoas para longe da fé genuína. O fermento de Herodes representa poder mundano, corrupção política e compromisso moral. Herodes era um homem que, apesar de seu conhecimento da retidão de João Batista, ainda ordenou sua execução devido à sua própria fraqueza e emaranhados políticos. Tanto o legalismo dos fariseus quanto o mundanismo de Herodes eram influências perigosas que poderiam corromper os discípulos se eles não fossem cuidadosos.
A significância teológica desta passagem é profunda. Assim como Gênesis descreve um mundo inteiramente levedado pelo pecado, Jesus adverte que os ensinos falsos e a corrupção moral continuam a se espalhar. Os discípulos, embora fisicamente próximos a Jesus, ainda estavam em perigo de mal entender Sua mensagem porque seus corações ainda não estavam totalmente transformados. Sua falha em entender o que Jesus estava dizendo mostra que a cegueira espiritual não é apenas um problema para os fariseus ou para Herodes, mas para qualquer pessoa que permita que seu coração se endureça.
Várias lições emergem desta reflexão. Primeiro, o pecado se espalha como fermento – pode começar pequeno, mas quando não verificado, permeia tudo. O mundo antes do dilúvio não era imediatamente maligno; a corrupção se espalhou gradualmente, afetando cada parte da existência humana. Isso é verdade tanto no nível pessoal quanto no societal. Pequenos compromissos morais podem levar a uma maior corrupção ao longo do tempo, seja em indivíduos, famílias ou civilizações inteiras. Segundo, a purificação é necessária para a renovação. Assim como a Páscoa exigia a remoção do fermento, e assim como o dilúvio lavou a corrupção do tempo de Noé, também os fiéis devem buscar ativamente remover o pecado e as falsas influências de suas vidas. Isso não é apenas sobre evitar o mal, mas sobre ser intencional na busca pela santidade e verdade. Terceiro, a cegueira espiritual não é apenas para os incrédulos. Os discípulos, embora tivessem testemunhado os milagres de Jesus, ainda lutavam para entender Seus ensinamentos porque seus corações não estavam totalmente abertos. Esta é uma advertência para todos os cristãos — a proximidade com Cristo não garante entendimento. Devemos permanecer vigilantes e permitir que o Espírito Santo ilumine nossos corações. Finalmente, a verdadeira transformação exige o tipo certo de fermento. Enquanto Jesus adverte contra o zymē dos fariseus e de Herodes, Ele também fala do Reino de Deus como um bom fermento (Mateus 13:33). A diferença está no tipo de influência que permitimos que nos molde. Se estamos preenchidos com o fermento do mundo – compromisso, hipocrisia e autoconfiança – seremos corrompidos. Mas se permitirmos que o fermento do Reino – a Palavra de Deus, a graça de Cristo e o trabalho do Espírito Santo – se enraíze em nós, então seremos transformados à imagem de Cristo.
O desafio para nós hoje é perguntar: que tipo de fermento estamos permitindo em nossas vidas? Estamos sendo moldados pela levedura do pecado ou pela levedura da graça? Nossos corações estão endurecidos como os dos fariseus, ou estamos permitindo que Deus os amoleça e renove? A escolha permanece diante de nós, assim como estava no tempo de Noé, no tempo de Jesus e agora no nosso.
“Oxalá ouvísseis hoje a sua VOZ: não endureçais os vossos corações!” (Sl 95,7)
Shalom!
© Pe. Chinaka Justin Mbaeri, OSJ
Seminário Padre Pedro Magnone, São Paulo, Brasil.
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