VOZ DO LOGOS (22): REFLEXÃO/HOMILIA PARA QUINTA-FEIRA DA PRIMEIRA SEMANA DA QUARESMA, ANO 1

Deus responde mais a algumas orações do que a outras?

Primeira Leitura: Ester 4,17
Salmo Responsorial: Salmo 137(138),1-3.7-8
Evangelho: Mateus 7,7-12
________________________________________

Muitos já lutaram com a dolorosa realidade de que, enquanto algumas orações parecem ser respondidas rapidamente, outras são recebidas com silêncio. Deus é seletivo ao conceder petições? Por que algumas pessoas experimentam intervenções milagrosas, enquanto outras suportam o sofrimento, apesar de suas súplicas fervorosas? Essas questões tocam o cerne da justiça divina, do sofrimento humano e do mistério da providência de Deus. Se Deus é imparcial, todo amoroso e misericordioso, por que parece que algumas vozes têm mais peso no céu do que outras? Essa pergunta não é apenas teórica, mas profundamente pessoal – muitos fiéis lutam quando oram com fervor e não veem resultados, enquanto outros parecem receber intervenção divina imediata. A tensão entre o favoritismo divino e o amor universal de Deus torna-se uma realidade desconfortável, especialmente quando o sofrimento persiste, apesar das orações sinceras. Essa controvérsia nos obriga a examinar a interseção entre fé, providência divina e desespero humano.

No centro das leituras de hoje está a certeza de que Deus escuta, mas o desafio está em como e quando Ele responde. A súplica da Rainha Ester na primeira leitura (Ester 4:17) ilustra a urgência da petição. Ela não apenas ora; ela se lança inteiramente diante de Deus, reconhecendo sua impotência. Ela apela não apenas à misericórdia da aliança de Deus, mas também à sua posição única como intercessora por seu povo. Isso levanta uma questão pertinente: Deus responde de maneira diferente às orações com base no papel, status ou retidão de quem ora? O conceito hebraico de ḥēn (חֵן), que significa “favor” ou “graça”, sugere que algumas pessoas, como Ester, encontram um favor especial aos olhos de Deus. O sitz im leben (contexto de vida) dessa passagem é a crise existencial do povo judeu no exílio, enfrentando destruição iminente. A oração de Ester não surge de uma devoção rotineira, mas de um desespero em que a intervenção divina é a única esperança. Esse contexto sugere que orações proferidas em momentos de crise, especialmente por intercessores justos, podem ter um peso diferente na resposta de Deus.

O Salmo Responsorial (Salmo 138) reforça esse tema ao proclamar que Deus ouve os clamores dos humildes, enquanto os orgulhosos permanecem distantes. O salmista declara: “No dia em que clamei, me respondeste” – mas isso se aplica universalmente? Se todos os que clamam a Deus recebem uma resposta, por que alguns continuam sofrendo em silêncio? O salmo insinua um mistério: a resposta de Deus não é necessariamente imediata ou visível, mas Ele fortalece a alma do suplicante. Classificado como um salmo de ação de graças, o salmista recorda um tempo de crise em que clamou a Deus e recebeu uma resposta. Isso pode se referir a uma vitória militar, uma dificuldade pessoal ou uma luta nacional, semelhante ao desespero enfrentado por Ester em nome de seu povo. Dado seu vínculo com Davi, o salmo pode refletir momentos em que ele enfrentou inimigos ou perseguições e viu a mão de Deus em sua sobrevivência. Assim, sugere um aspecto relacional da oração, onde aqueles que se humilham diante de Deus experimentam Sua proximidade de forma mais profunda do que aqueles que confiam apenas em sua própria força. Em outras palavras, o salmista reconhece sua dependência de Deus, atribuindo as orações atendidas à fidelidade divina, e não ao mérito pessoal. A frase “aumentaste a força da minha alma” sugere fraqueza prévia, reforçando a necessidade humana da ajuda divina. Além disso, o versículo 6 (que não está no trecho) contrasta explicitamente a proximidade de Deus com os humildes e Seu distanciamento dos orgulhosos, confirmando que a humildade atrai o favor divino. O clamor final, “não abandones a obra de tuas mãos”, expressa completa entrega à vontade de Deus, uma marca da humildade.

O Evangelho (Mateus 7:7-12) leva essa discussão ao ápice com o ensinamento de Jesus sobre a oração: “Pedi, e vos será dado; buscai, e encontrareis; batei, e vos será aberto”. À primeira vista, isso parece prometer uma resposta universal a todas as orações. No entanto, a experiência nos diz o contrário – muitas pessoas pedem, mas não recebem; buscam, mas não encontram. Compreender o sitz im leben (contexto de vida) desta passagem é crucial: Jesus está falando no contexto do discipulado, dirigindo-se àqueles que buscam ativamente o Reino de Deus. A palavra grega “aiteō” (αἰτέω), usada aqui para “pedir”, implica um pedido contínuo e persistente, e não uma única solicitação. A mensagem de Jesus não é sobre gratificação imediata, mas sobre um relacionamento de confiança, onde a perseverança na oração conecta a vontade do suplicante com a de Deus. Além disso, a analogia de um pai que dá bons presentes aos seus filhos sugere que a resposta de Deus é baseada no que é, em última instância, benéfico, e não necessariamente no que é desejado no momento.

Caros amigos em Cristo, dessas leituras emergem três lições fundamentais:

Primeiro, a resposta de Deus à oração não é mecânica nem uniforme – ela é profundamente pessoal e muitas vezes misteriosa. Enquanto a oração de Ester foi atendida dramaticamente, muitos outros oraram por libertação e enfrentaram o martírio. Isso não indica um favoritismo divino no sentido de injustiça, mas sim que os caminhos de Deus transcendem a compreensão humana. Assim, a resposta de Deus à oração não é determinada apenas por palavras, mas pela disposição do coração. A oração de Ester foi ouvida não por sua posição real, mas por sua humildade e confiança. Da mesma forma, o salmista afirma que Deus olha para os humildes, não para os orgulhosos. Aqueles que se aproximam de Deus com um coração aberto, dispostos a confiar mesmo no silêncio, experimentam Sua presença de maneiras que vão além do cálculo humano. Não é de se admirar que a Escritura nos diga que a razão pela qual muitas vezes oramos e não recebemos o que pedimos é que não oramos bem, pois nos entregamos às nossas paixões. São Tiago nos adverte claramente: “Pedis e não recebeis, porque pedis mal, para o gastardes em vossos prazeres” (Tiago 4:3). A oração enraizada em desejos egoístas, em vez de uma entrega humilde à vontade de Deus, é egoísta e ineficaz. A verdadeira oração exige desapego das ambições mundanas e um coração unido aos propósitos de Deus. A humildade é essencial – quando nos aproximamos de Deus com um espírito contrito e altruísta, buscando Sua vontade em vez da nossa própria satisfação, abrimo-nos à Sua graça e à Sua resposta perfeita. Isso desafia a suposição de que a oração é uma transação – Deus não é uma máquina divina de bênçãos, distribuindo graças sob demanda, mas um Pai que discerne o que é melhor. Isso desafia a suposição de que a oração é uma transação – Deus não é uma máquina divina que distribui bênçãos sob demanda, mas um Pai que discerne o que é melhor.

Segundo, a oração não se trata de manipular Deus para agir, mas de transformação. O ato de pedir, buscar e bater persistentemente refina a alma. Quando Jesus ensina sobre a oração, Ele não apresenta uma fórmula para o sucesso garantido, mas um chamado ao relacionamento. A resposta de Deus sempre ocorre dentro do contexto de Sua sabedoria e amor, e não das expectativas humanas. Embora possa parecer que algumas orações recebam respostas mais rápidas que outras, o verdadeiro propósito da oração é unir-se à vontade de Deus. O que parece ser uma preferência divina pode, na verdade, ser a maneira única de Deus aproximar cada pessoa de Si, tanto por meio de orações atendidas quanto das aparentemente não atendidas.

Terceiro, a persistência e a conformidade com a vontade de Deus desempenham um papel crucial na resposta divina. O Evangelho ensina que pedir, buscar e bater são ações contínuas. Aqueles que permanecem firmes, buscando o coração de Deus e não apenas Suas bênçãos, acabam recebendo o que realmente precisam – mesmo que não seja o que inicialmente queriam. A realidade permanece: algumas orações são respondidas de forma dramática, enquanto outras parecem ser recebidas com silêncio. No entanto, a promessa de Jesus garante que nenhuma oração é ignorada, mesmo que a resposta venha de uma forma inesperada. O verdadeiro desafio, então, não é se Deus responde a algumas orações mais do que a outras, mas se confiamos nele o suficiente para aceitar sua resposta quando ela chega, pois nosso Pai celestial dá coisas boas àqueles que lhe pedem.

Oxalá ouvísseis hoje a sua VOZ: não fecheis os vossos corações! (Sl 95,7)


Shalom!
© Pe. Chinaka Justin Mbaeri, OSJ
Seminário Padre Pedro Magnone, São Paulo, Brasil.
📧 nozickcjoe@gmail.com / fadacjay@gmail.com


Você já rezou o seu terço hoje?

NEVER MISS AN UPDATE AGAIN.

Subscribe to latest posts via email.


Chinaka Justin Mbaeri

A staunch Roman Catholic and an Apologist of the Christian faith. More about him here.

View all posts
Subscribe
Notify of
guest

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.

0 Comments
Oldest
Newest Most Voted
Inline Feedbacks
View all comments
0
Would love your thoughts, please comment.x
()
x

Discover more from Fr. Chinaka's Media

Subscribe now to keep reading and get access to the full archive.

Continue reading