VOZ DO LOGOS (25): REFLEXÃO/HOMILIA PARA O SEGUNDO DOMINGO DA QUARESMA, ANO C

A Transfiguração como Rejeição das Doutrinas Materialistas do Evangelho da Prosperidade.

Primeira Leitura: Gênesis 15:5-12, 17-18
Salmo Responsorial: Sl 26(27):1,7-9,13-14
Segunda Leitura: Filipenses 3:17-4:1
Evangelho: Lucas 9:28-36
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A obsessão moderna pela riqueza, sucesso e bênçãos materiais infiltrou-se na teologia cristã, distorcendo a mensagem do Evangelho e transformando-a em uma ideologia egoísta que iguala fé com prosperidade financeira. Muitos pregadores proclamam que aqueles que realmente creem experimentarão uma abundância de riquezas, poder e conforto terreno, reduzindo Cristo a um parceiro de negócios divino em vez do Messias sofredor. No entanto, as leituras do Segundo Domingo da Quaresma (Ano C) destroem essa ilusão, oferecendo uma rejeição radical da teologia materialista do evangelho da prosperidade. A Transfiguração – muitas vezes interpretada erroneamente como uma revelação da grandeza divina – na verdade prepara os discípulos para o sofrimento, não para a riqueza; para a cruz, não para o conforto. A glória de Cristo revelada no monte não é uma promessa de ganho material, mas um chamado para abandonar as ambições mundanas em busca de algo infinitamente maior.

Na primeira leitura (Gênesis 15:5-12, 17-18), Abrão recebe uma promessa divina: seus descendentes serão tão numerosos quanto as estrelas e herdarão uma terra própria. À primeira vista, essa passagem pode parecer apoiar a teologia da prosperidade – Deus promete abundância. No entanto, o Sitz im Leben (contexto histórico e social) deste texto é crucial: Abrão não vê o cumprimento dessa promessa em sua vida. Ele vive como um nômade, um homem de fé e não de posses. A palavra hebraica emunah (אֱמוּנָה), que significa “fidelidade” ou “confiança inabalável”, está no centro desta leitura. A justiça de Abrão não é medida pela riqueza, mas por sua confiança absoluta em Deus, mesmo quando não há uma recompensa visível. Aqui está a contradição fundamental do evangelho da prosperidade: ele busca resultados materiais imediatos, enquanto a verdadeira fé bíblica exige confiança no que é invisível e muitas vezes inalcançável nesta vida.

O salmo responsorial (Salmo 27) fortalece essa rejeição da fé materialista. “O Senhor é minha luz e minha salvação; a quem temerei?” O salmista declara que a segurança está em Deus, não na riqueza. A obsessão com segurança financeira contradiz a essência desta passagem. O salmo não promete que os fiéis serão ricos, mas que terão a presença de Deus como fortaleza. Aqueles que buscam riqueza material frequentemente vivem com medo – medo de perder, medo de não ter o suficiente. Mas o salmo proclama que aqueles que confiam no Senhor não precisam temer, mesmo quando o mundo não lhes oferece nada.

Então vem a Transfiguração no Evangelho (Lucas 9:28b-36). A princípio, parece um triunfo, uma revelação da glória divina de Cristo. Pedro, tomado pela emoção, quer construir tendas, capturar aquele momento e permanecer na presença celestial. Mas essa visão não conduz ao conforto; ela conduz à Paixão. O Sitz im Leben desta passagem é significativo: ocorre enquanto Jesus prepara Seus discípulos para Seu sofrimento e morte. O verbo grego metamorphoō (μεταμορφόω), que significa “ser transformado”, é usado aqui para descrever a mudança radiante de Cristo. Mas essa transformação não é sobre aquisição de poder ou riqueza; trata-se de revelar a realidade mais profunda de quem Ele é, uma realidade que logo será expressa através do sofrimento e da crucificação. O evangelho da prosperidade busca uma transformação terrena – casas maiores, contas bancárias mais cheias, promoções – mas a transformação de Cristo aponta para algo totalmente diferente: o chamado para sofrer com Ele, abraçar a cruz e ser moldado à Sua imagem pelo sacrifício, não pelo sucesso.

A carta de Paulo aos Filipenses (Fl 3:17—4:1) dá o golpe final na distorção materialista do Evangelho. Ele adverte que muitos vivem como “inimigos da cruz de Cristo”, cujo “deus é o estômago” e cujas “mentes estão fixadas nas coisas terrenas”. Essas palavras são uma repreensão direta àqueles que reduzem o cristianismo a um caminho para ganhos pessoais. Paulo contrasta esse foco terrenal com a realidade da vida cristã: “Nossa cidadania está nos céus”. Essa é a rejeição definitiva do materialismo. Uma fé que busca apenas recompensas terrenas não é cristianismo, mas um evangelho falso que Paulo condena sem hesitação.

Em termos práticos, essa rejeição do evangelho da prosperidade traz implicações profundas:

Primeiro, nos obriga a reavaliar nossa compreensão da bênção divina. Muitas vezes, os cristãos igualam estabilidade financeira ao favor de Deus e pobreza à Sua desaprovação. Isso não é bíblico. Muitas das figuras mais santas – Abrão, o salmista, o próprio Jesus – viveram na incerteza, no exílio e no sofrimento. Se o favor de Deus fosse medido pela riqueza material, então Cristo, que “não tinha onde reclinar a cabeça”, seria considerado amaldiçoado. Em vez de perguntar: “O que Deus me deu?”, a verdadeira questão deveria ser: “Como Deus está me moldando?”

Segundo, este tema desafia a comercialização da fé na Igreja de hoje. Muitos pregadores manipulam fiéis desesperados para que doem dinheiro em troca de bênçãos divinas. Vendem uma ilusão de prosperidade, envolta em linguagem teológica, usando apelos emocionais e distorcendo as Escrituras. A Transfiguração expõe essa enganação. Se Jesus quisesse demonstrar poder divino para ganhar influência, Ele teria permanecido no monte, deslumbrando Seus seguidores com luz. Mas, em vez disso, Ele desce para o sofrimento, a humilhação e a morte. O cristianismo não é um esquema financeiro prometendo ganhos materiais; é um chamado ao amor sacrificial, à generosidade radical e à autonegação.

Finalmente, isso força os fiéis a redefinir o conceito de sucesso. Se nossa medida de uma vida cristã bem-sucedida é uma carreira estável, uma casa grande e uma vida sem problemas, então perdemos o coração do Evangelho. O verdadeiro sucesso em Cristo não está na acumulação de bens, mas em nos tornarmos mais semelhantes a Ele – especialmente em Sua disposição de sofrer pelos outros. Se buscamos a Cristo apenas pelo que Ele pode nos dar, transformamos a fé em idolatria. Mas se buscamos ser transformados, passar pelo metamorphoō em Sua imagem, então compreendemos o verdadeiro significado da Transfiguração.

O evangelho da prosperidade prospera porque promete algo tangível, algo imediato. Mas as leituras deste domingo desmascaram essa ilusão, mostrando que a fé é muitas vezes difícil, exigente e custosa. E, no entanto, é precisamente nesse custo que encontramos a verdadeira recompensa – não as riquezas passageiras deste mundo, mas a glória eterna de compartilhar a vida divina de Cristo.

Oxalá ouvísseis hoje a sua VOZ: não fecheis os vossos corações! (Sl 95,7)


Shalom!
© Pe. Chinaka Justin Mbaeri, OSJ
Seminário Padre Pedro Magnone, São Paulo, Brasil.
📧 nozickcjoe@gmail.com / fadacjay@gmail.com


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Chinaka Justin Mbaeri

A staunch Roman Catholic and an Apologist of the Christian faith. More about him here.

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