Quando a paternidade exige sacrificar os próprios sonhos e desejos pelo bem maior da família, como fez São José
Primeira Leitura: 2 Samuel 7,4-16
Salmo Responsorial: Sl 88(89),2-5.27.29
Segunda Leitura: Romanos 4,13.16-18.22
Evangelho: Mateus 1,18-24
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Todo homem, em algum momento de sua vida, pode ter enfrentado o dilema de escolher entre suas ambições pessoais e as responsabilidades da paternidade, pois a vida é muitas vezes uma batalha entre ambição e responsabilidade, entre os sonhos pessoais e os sacrifícios necessários para o bem-estar dos outros. Muitos hoje acreditam que a paternidade é um fardo nobre que esmaga os desejos pessoais, forçando os homens a abandonarem suas ambições pelo bem de seus filhos e esposas. Outros argumentam que a verdadeira paternidade não significa abandonar os sonhos, mas reestruturá-los à luz de um propósito maior. O mundo de hoje glorifica o sucesso pessoal, incentivando os homens a perseguirem seus objetivos incansavelmente. No entanto, a realidade da paternidade muitas vezes exige sacrifícios dolorosos. Muitos pais abandonaram carreiras promissoras, ambições pessoais e sonhos de toda uma vida para garantir um ambiente estável e acolhedor para suas famílias. A tensão entre essas escolhas é evidente em inúmeros cenários da vida real: um atleta que recusa um contrato internacional para estar presente no crescimento de seu filho, um acadêmico que renuncia a estudos avançados para sustentar sua família, um empresário que abre mão de uma oportunidade lucrativa para ser um pai presente e ativo. No grande esquema das coisas, a paternidade é um chamado ao sacrifício ou um convite a redefinir os desejos mais profundos em favor de um propósito maior? Esse dilema não é novo; é tão antigo quanto o próprio tempo, e talvez ninguém personifique esse paradoxo melhor do que São José, que lutou entre seus sonhos pessoais e a responsabilidade divina, cuja festa celebramos hoje.
A Solenidade de São José nos convida a refletir sobre um homem que tinha sonhos e desejos como qualquer outro, mas que foi chamado a abandoná-los por uma missão divina maior do que ele mesmo. José não foi apenas um espectador silencioso na história da salvação; ele era um homem com planos, aspirações e um futuro próprio. No entanto, ao ser confrontado com o inesperado – a gravidez de Maria e a ordem do anjo – ele teve que tomar uma decisão: seguir seu caminho pessoal ou se render ao “desconhecido” pelo bem de sua família. Sua escolha de abraçar a missão divina, apesar da confusão inicial e do medo, faz dele o modelo supremo da paternidade sacrificial. Ele não questionou nem resistiu; ao contrário, escolheu a obediência acima da ambição pessoal. Sua história não é uma de derrota, mas de profundo amor e propósito. Em um mundo onde os homens são frequentemente julgados pelo que conquistam para si mesmos, José ensina que a verdadeira grandeza está no que se está disposto a sacrificar pelos outros.
Esse paradoxo entre ambição pessoal e chamado divino não é um problema moderno; ele está profundamente enraizado na história humana. A Primeira Leitura de 2 Samuel 7,4-16 apresenta uma promessa divina ao Rei Davi, um pacto que estabeleceria sua casa e trono para sempre. Davi, um rei guerreiro, tinha uma ambição pessoal: construir um grande templo para Deus. No entanto, por meio do profeta Natã, Deus redireciona seu plano, revelando que não será ele, mas sua descendência, quem estabelecerá uma casa duradoura. O contexto histórico dessa passagem reflete um momento em que Davi, apesar de seu sucesso político e militar, teve que deixar de lado seus próprios desejos e visões para aceitar um propósito maior de Deus. O termo hebraico bayit (בַּיִת), usado na passagem, significa tanto “casa” (no sentido de dinastia) quanto “templo”, criando uma ironia poderosa: Davi queria construir um edifício físico para Deus, mas Deus prometeu, em vez disso, estabelecer uma casa eterna através de sua linhagem. Essa promessa atinge seu cumprimento em Jesus Cristo, mas é José, e não Davi, quem se torna o instrumento visível da realização dessa profecia. José, assim como Davi, pode ter tido aspirações pessoais – talvez construir sua carreira, estabelecer uma vida tranquila com Maria e criar filhos de forma convencional. Mas Deus tinha um outro bayit em mente para ele. Assim como Davi teve que recuar e confiar no plano de Deus para sua dinastia, José teve que abandonar suas próprias expectativas e assumir o papel de guardião do Filho de Deus. Diferente de Davi, José não recebeu visões grandiosas nem reconhecimento público. Ele foi chamado a abraçar o papel oculto de proteger aquele que traria o verdadeiro e eterno reino.
O Salmo Responsorial (Salmo 89) reforça esse tema, pois proclama a fidelidade de Deus às Suas promessas e a eternidade da linhagem de Davi. No entanto, o paradoxo está no fato de que essa linhagem não é assegurada por meio de um rei guerreiro como Davi, mas pela fé silenciosa e obediente de José. O salmista celebra a aliança com Davi, que se concretiza não em um trono luxuoso, mas no lar de um carpinteiro; não por meio de um poderoso guerreiro, mas por meio de um pai humilde que escolheu o sacrifício em vez da ambição pessoal.
Da mesma forma, a Segunda Leitura de Romanos 4,13.16-18.22 fala da fé de Abraão, ilustrando que a justiça não vem pela Lei, mas pela confiança nas promessas de Deus. Abraão, como José, teve que abandonar as expectativas normais da paternidade. Ele foi chamado a acreditar no impossível – que teria descendentes tão numerosos quanto as estrelas, apesar de sua velhice. José, por sua vez, teve que abraçar uma paternidade não convencional. Ele foi chamado a ser pai não pelo sangue, mas pela fé, criando um filho que não era sua carne e sangue, mas que estava destinado a ser o cumprimento da promessa de Deus. Assim como Abraão teve que deixar sua terra, José teve que deixar para trás suas próprias expectativas sobre a vida familiar – ambos foram chamados a confiar em um plano maior que eles mesmos.
Por fim, a vida de José nos ensina que a grandeza está nos atos ocultos e diários de amor. Diferente de Abraão, Moisés ou Davi, José não realizou milagres, não proclamou palavras proféticas e não liderou exércitos. No entanto, é uma das figuras mais importantes da história da salvação. Sua grandeza está nos momentos invisíveis – trabalhando incansavelmente para sustentar sua família, protegendo-os do perigo e guiando Jesus com sabedoria silenciosa. Não é à toa que o Santo Padre, o Papa Francisco, referiu-se a ele em sua “Patris Corde” como um pai amado, um pai terno e afetuoso, um pai obediente, um pai acolhedor, um pai criativamente corajoso, um pai trabalhador e um pai na sombra.
Queridos irmãos e irmãs em Cristo, São José deve ser celebrado, reverenciado e valorizado no mundo de hoje, pois sua vida responde às lutas dos homens modernos. Ele é um modelo para pais que se sentem divididos entre ambição e responsabilidade, para maridos que enfrentam as complexidades da fé e da família e para todos os homens que buscam equilibrar dever e desejo pessoal. Em José, vemos que o sacrifício não é o fim da realização pessoal, mas o começo de algo maior. Seu testemunho silencioso e profundo responde a todo homem que já se perguntou se abrir mão dos seus sonhos pela família vale a pena. A resposta, como José nos mostra, é um “sim” retumbante!
Oxalá ouvísseis hoje a sua VOZ: não fecheis os vossos corações! (Sl 95,7)
Shalom!
© Pe. Chinaka Justin Mbaeri, OSJ
Seminário Padre Pedro Magnone, São Paulo, Brasil. nozickcjoe@gmail.com / fadacjay@gmail.com
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