Vinte Moedas de Prata: Quão Barato Vendemos Nossa Consciência Hoje
Primeira Leitura: Gênesis 37,3-4.12-13a.17b-28
Salmo Responsorial: Sl 104(105),16-17.18-19.20-21 (R. 5a)
Evangelho: Mateus 21,33-43.45-46
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Na nossa vida cotidiana, somos constantemente confrontados com situações em que a consciência é trocada por ganhos passageiros. Um estudante paga para passar numa prova, mesmo sabendo que é errado. Um funcionário público altera documentos para desviar recursos. Uma comerciante mente sobre a qualidade de seus produtos para lucrar mais. Um jovem entra na vida do crime porque não quer esperar por um trabalho honesto. Um pai de família aceita um suborno que custará vidas, e um político manipula eleições em troca de poder. Em todos esses casos, há dentro de nós uma voz interior — a consciência — que alerta, mas que muitas vezes silenciamos por causa de dinheiro, influência ou status. É essa realidade que inspira o tema: “Vinte moedas de prata: quão barato vendemos nossa consciência hoje”. Não se trata apenas de uma traição do passado, mas de decisões presentes em que abandonamos a integridade em troca de algo de valor passageiro. A consciência, esse espaço sagrado onde Deus fala ao coração humano, tem sido frequentemente negociada por coisas que não valem sua perda. A prata, na Bíblia, era símbolo de comércio, mas a tragédia está na facilidade com que a dignidade e a verdade são negociadas.
A primeira leitura, tirada de Gênesis 37, apresenta a dolorosa história de José, um jovem sonhador inspirado por Deus, traído pelos próprios irmãos. O “sitz im leben” (contexto de vida) dessa narrativa mostra uma família marcada por inveja, favoritismo e egoísmo. Os irmãos conspiram para matá-lo, mas depois decidem vendê-lo a mercadores ismaelitas por vinte moedas de prata. A palavra hebraica para prata é kesef, que também significa “desejo” ou “ânsia”. Os irmãos desejavam se livrar do incômodo que José representava: um lembrete de que eles não eram os escolhidos do pai. Essa traição não foi apenas uma transação comercial; foi a destruição de laços familiares e a negação da voz da consciência. Anos depois, os mesmos irmãos enfrentariam José no Egito, sem reconhecê-lo, agora elevado por Deus.
O salmo responsorial, o Salmo 105, relembra essa história do ponto de vista da providência divina. Deus transformou a maldade dos irmãos em salvação para muitos. Mas essa providência não absolve o pecado cometido. A mensagem do salmo é clara: Deus age mesmo em meio ao erro humano, mas a culpa moral permanece com quem escolheu trair.
O evangelho de Mateus 21 complementa essa mensagem com a parábola dos vinhateiros maus. Jesus fala de um senhor que planta uma vinha e a entrega a arrendatários. Quando envia servos e depois seu próprio filho para recolher os frutos, os vinhateiros os espancam e matam, querendo apropriar-se da vinha. O “sitz im leben” desse texto é o confronto de Jesus com os líderes religiosos de sua época, que, dominados por inveja, não aceitaram sua autoridade. Como os irmãos de José, queriam eliminar aquele que ameaçava seu controle. O equivalente grego para “preço” ou “valor” é timē (τιμή), que contrasta com o verbo prodidōmi — entregar, trair. O filho do dono da vinha é traído, assim como José, por aqueles que deveriam acolhê-lo. A vinha representa o Reino de Deus, e os maus vinhateiros são os que, hoje como ontem, querem os benefícios da fé sem o compromisso com Deus. Jesus conclui com um aviso: o Reino será tirado dos infiéis e dado a quem produz frutos.
Há lições práticas profundas aqui. A primeira é que toda traição começa com uma pequena concessão feita à consciência. Seja em casa, no trabalho ou na política, é no silêncio da alma que decidimos entre o bem e o mal. Trocar a verdade pela vantagem imediata pode parecer lucro, mas o custo é a alma. A segunda lição é que Deus, em Sua misericórdia, pode redimir até os maiores pecados — mas isso não nos isenta da responsabilidade. A consciência vendida dificilmente volta ilesa. Precisamos refletir sobre quantas vezes já vendemos nossa fé, nosso caráter, nossa palavra por “vinte moedas de prata” — talvez na forma de um favor, um lucro ilícito, ou um silêncio cúmplice. No Brasil de hoje, marcado por escândalos de corrupção, injustiça social e crise moral, somos desafiados a proteger nossa consciência como um bem sagrado. Por fim, esta mensagem, em pleno tempo da Quaresma, é um convite ao arrependimento. Ainda há tempo de reverter cada venda, de recuperar a dignidade perdida e de ouvir novamente a voz de Deus em nosso interior. Ao escolhermos nossa consciência, escolhemos Cristo — e essa é uma escolha que nenhuma prata pode comprar.
Oxalá ouvísseis hoje a sua VOZ: não fecheis os vossos corações! (Sl 95,7)
Shalom!
© Pe. Chinaka Justin Mbaeri, OSJ
Seminário Padre Pedro Magnone, São Paulo, Brasil.
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