A “Festa” Que Recusamos Participar
Primeira Leitura: Miqueias 7,14-15.18-20
Salmo Responsorial: Sl 102(103),1-2.3-4.9-10.11-12 (R. 8a)
Evangelho: Lucas 15,1-3.11-32
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Há momentos na vida em que, em vez de celebrarmos a alegria do outro, nos recolhemos em silêncio ou até nos afastamos completamente. Um irmão volta para casa após anos de rebeldia, mas, em vez de acolhê-lo, relembramos cada erro do passado. Um colega de trabalho é promovido após ser perdoado por uma grande falha, e não conseguimos parabenizá-lo. Um paroquiano que havia deixado a Igreja em meio a um escândalo retorna e recebe a Comunhão, e, em vez de nos alegrarmos, sussurramos críticas. Esses momentos revelam uma verdade dolorosa: às vezes, recusamos participar da festa porque achamos que a pessoa que retorna não merece uma segunda chance. Esta reflexão confronta essa resistência que habita em nós e desenvolve o tema: “A Festa Que Recusamos Participar.” No fundo, trata-se de como colocamos limites na misericórdia de Deus e nos tornamos cegos à nossa própria necessidade dessa mesma misericórdia. Convencemo-nos de que a misericórdia deve ser merecida, e quando alguém recebe o que julgamos imerecido, retraímo-nos, em vez de nos alegrarmos.
A primeira leitura, do profeta Miquéias (7,14-15.18-20), é um hino à misericórdia divina. Seu sitz im leben (contexto de vida) é uma comunidade que busca restauração após julgamento e exílio. O povo de Israel havia pecado repetidamente, e ainda assim Miquéias proclama um Deus que perdoa a culpa, passa por cima das transgressões e não se compraz na punição, mas sim na misericórdia. A palavra hebraica utilizada aqui para misericórdia, ḥesed, exprime um amor constante, fiel à aliança — não baseado no mérito do pecador, mas na fidelidade de Deus. Essa misericórdia leva Deus a “lançar todos os nossos pecados nas profundezas do mar.” Mas como reagimos quando Deus estende essa mesma misericórdia a alguém que desprezamos ou condenamos? A geração de Miquéias, como a nossa, teve que encarar a desconcertante verdade de que a misericórdia de Deus é maior do que nossas preferências ou julgamentos. Assim como ansiavam por serem restaurados, precisavam aceitar que outros, inclusive os que desprezavam, também seriam acolhidos. A misericórdia, na visão de Miquéias, não é um favor privado, mas um dom comunitário que nos convida a todos a uma celebração da graça.
O Salmo 102 (103) aprofunda essa perspectiva. Ele louva um Deus que “não nos trata segundo nossos pecados”, mas que cura, redime e nos coroa de compaixão. Este salmo é profundamente pessoal, mas também coletivo. O Deus que ali se revela remove nossos pecados “tanto quanto o Oriente está longe do Ocidente.” O salmista compreendeu algo que escapa a muitos religiosos: a misericórdia de Deus não segue os cálculos humanos — ela os supera.
Isso nos leva ao Evangelho de Lucas (15,1-3.11-32), no qual Jesus conta a parábola do Filho Pródigo. O sitz im leben deste texto está na resposta de Jesus aos fariseus e escribas, que se escandalizavam ao vê-lo acolher pecadores. A história culmina não apenas no retorno do filho perdido, mas na amarga recusa do irmão mais velho em participar da festa. A palavra grega usada para festa ou celebração no versículo 24 é euphrainō, que significa alegrar-se ou festejar. No entanto, o filho mais velho, embora fisicamente próximo, permanece distante em espírito e coração. Sua recusa em entrar na festa espelha nossa própria resistência em celebrar a misericórdia que Deus oferece a outros. Ele seguiu todas as regras, mas perdeu o coração do pai. A verdadeira tragédia não está apenas na rebeldia do filho mais novo, mas no ressentimento endurecido do mais velho. A festa nunca foi sobre recompensa — foi sobre reconciliação. E muitos hoje, como o irmão mais velho, permanecem fora não porque foram excluídos, mas porque não suportam ver a graça ser estendida além dos seus critérios.
Precisamos nos fazer perguntas difíceis: Alegramo-nos, de fato, quando os perdidos são encontrados? Ou guardamos a memória de seus erros como justificativa para negar-lhes alegria? Vemos a nós mesmos como merecedores da graça, enquanto outros devem conquistá-la? A Quaresma é tempo de examinar se não estamos, como o filho mais velho, do lado de fora da casa do Pai, recusando entrar porque alguém “indigno” foi acolhido com festa. A Igreja de hoje não pode apenas pregar o amor de Deus — ela precisa se tornar comunidade de acolhimento, alegria e restauração. Quando alguém retorna após anos longe da fé, celebramos com ele ou o condenamos em silêncio? Perdoamos de verdade ou mantemos rancores camuflados sob aparências piedosas? A festa que o Pai prepara é símbolo do Reino, e recusar-se a participar dela é, na prática, rejeitar o modo como Deus age. Que não cometamos o erro do irmão mais velho, que cumpriu normas mas não compreendeu o amor. O convite para a alegria é para todos — mas precisamos aceitar entrar. Se realmente cremos na misericórdia, então devemos celebrá-la onde quer que ela se manifeste — mesmo quando isso nos desconcerta.
Oxalá ouvísseis hoje a sua VOZ: não fecheis os vossos corações! (Sl 95,7)
Shalom!
© Pe. Chinaka Justin Mbaeri, OSJ
Seminário Padre Pedro Magnone, São Paulo, Brasil.
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