Pare de Culpar os Outros — O Problema Pode Ser Você
Primeira Leitura: Êxodo 3,1-8.13-15
Salmo Responsorial: Sl 102(103),1-4.6-8.11
Segunda Leitura: 1 Coríntios 10,1-6.10-12
Evangelho: Lucas 13,1-9
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Esse é um dos reflexos mais comuns do comportamento humano — quando algo dá errado, culpamos outra pessoa. Um relacionamento fracassado? “A culpa foi do temperamento explosivo dele(a).” Uma paróquia em crise? “A culpa é do pároco.” Um jovem desempregado e preguiçoso? “A sociedade é corrupta.” Mesmo no pecado pessoal, transferimos a responsabilidade: “Foi obra do demônio”, “Fui criado assim”, “A pressão era demais”, “As pessoas me influenciaram.” Essa tendência de externalizar a culpa é tão antiga quanto o Jardim do Éden, quando Adão culpou Eva e Eva culpou a serpente. Mas esse hábito, embora reconfortante a curto prazo, é espiritualmente perigoso — ele impede o arrependimento. Se o problema está sempre fora de mim, então nunca sou obrigado a mudar. No entanto, uma das verdades mais sóbrias da Escritura é que o pecado não começa nos sistemas, mas nos corações — inclusive no meu. As leituras litúrgicas deste Terceiro Domingo da Quaresma falam diretamente sobre isso: para uma multidão ansiosa por apontar o dedo e um Deus que, em vez disso, pergunta: “E você?” Jesus não alivia a ansiedade deles; Ele confronta suas suposições. E se formos honestos, muitas vezes nos escondemos atrás da frequência à Igreja, da piedade cultural ou da transferência de culpa para evitar a única pergunta que leva à verdadeira mudança: Sou eu, Senhor?
Na Primeira Leitura (Êxodo 3,1–8a.13–15), encontramos Moisés no deserto de Madiã, cuidando de ovelhas, longe do Egito, onde seu povo está escravizado. Sua vida seguiu em frente após o trauma do Egito e a vergonha de ter matado um egípcio. Seu sitz im leben (contexto de vida) é o de alguém em retiro e segurança pessoal. Mas Deus o interrompe com uma sarça ardente e um chamado à ação. O que se destaca é que Deus não permite que Moisés permaneça no distanciamento; Ele o puxa de volta para a história da qual Moisés havia fugido. A raiz hebraica chave aqui é shālah (שָׁלַח), “enviar”. Deus diz a Moisés: “Eu te envio” — Ele se recusa a permitir que Moisés continue culpando o faraó, os hebreus ou seu passado. Agora, Moisés deve assumir a missão. Cada desculpa que Moisés apresenta — sua identidade, seu medo de rejeição, sua falta de eloquência — é respondida com a insistência divina: pare de olhar para fora e comece a responder por dentro. Deus não busca um bode expiatório, mas um servo. De modo semelhante, em nossas vidas, muitas vezes nos contentamos em falar sobre o que há de errado no mundo, na Igreja ou em nossas famílias, mas evitamos o momento em que Deus diz: “Estou enviando você.” Você não é apenas um comentarista; você é chamado a ser agente de mudança.
O Salmo Responsorial (103) fornece o pano de fundo teológico e emocional para esse confronto. “O Senhor é bondoso e compassivo”, proclama o salmo, mas também é “lento para a ira” e aquele que “resgata tua vida da perdição.” A misericórdia nesse salmo não é automática; ela se dirige àquele que se apresenta diante de Deus com humildade, não com defensiva. Deus é compassivo, sim, mas Sua compaixão tem direção: ela levanta os humildes, não os orgulhosos. Aqueles que se justificam, que lançam a culpa sobre os outros e se recusam a reconhecer suas falhas, se fecham à cura.
Isso nos leva diretamente ao Evangelho (Lucas 13,1–9), onde algumas pessoas vêm a Jesus com um relato sobre uma atrocidade política: o massacre de galileus por Pilatos; e esperam que Ele ofereça uma explicação teológica. Mas Jesus não se permite cair na armadilha da transferência de culpa. Em vez disso, Ele devolve a questão: “Vocês acham que eles eram mais pecadores do que vocês? Eu vos digo: se não vos converterdes, todos perecereis do mesmo modo.” O sitz im leben do Evangelho mostra um povo tentando interpretar eventos atuais como julgamento divino, querendo identificar de quem foi o pecado que causou a tragédia. Mas Jesus usa a palavra grega metanoeō (μετανοέω) — “mudar de mente, converter-se” — para chamar a atenção ao interior. Ele adverte que, sem conversão pessoal, os eventos externos não terão valor. A parábola da figueira que segue ilustra isso: a árvore recebeu cuidado por anos, mas não deu frutos. Não há culpa a transferir; trata-se de uma resposta pessoal. Por quanto tempo se pode permanecer sem mudança, mesmo recebendo a atenção e a graça de Deus?
A Segunda Leitura de 1 Coríntios 10,1–6.10–12 reforça esse ponto com clareza alarmante. Paulo fala dos israelitas que todos compartilharam das bênçãos de Deus: foram batizados no mar, alimentados com o maná, guiados pela nuvem; no entanto, a maioria caiu. A queda deles não foi por inimigos externos, mas por rebelião interior. Paulo traça uma linha direta até a Igreja de Corinto, e até nós: “Aquele, pois, que pensa estar de pé, tome cuidado para não cair.” O alerta não é para os de fora, mas para os de dentro. É fácil pensar que estamos seguros porque estamos na Igreja, recebemos os sacramentos e seguimos tradições. Mas se nossos corações estão cheios de orgulho, julgamento ou culpa projetada, já estamos em perigo. O verdadeiro problema pode não ser a sociedade, o governo ou mesmo a má liderança, mas sim as áreas não examinadas da nossa própria vida que nos recusamos a submeter ao senhorio de Cristo.
A primeira lição é que culpar os outros muitas vezes é um mecanismo de defesa para evitar o desconforto da verdade. Jesus, no Evangelho, nunca nega que o mundo esteja quebrado ou que a injustiça exista. Mas Ele se recusa a deixar que isso nos distraia da questão central do arrependimento pessoal. Não podemos continuar apontando os pecados do mundo enquanto ignoramos os nossos. Famílias não serão curadas, paróquias não serão renovadas, e a sociedade não será transformada até que cada pessoa pergunte: O que eu preciso mudar em mim?
A segunda lição é que Deus nos confronta não para nos condenar, mas para nos corrigir. Moisés poderia ter permanecido pastor para sempre, mas Deus o amou o suficiente para chamá-lo de volta ao lugar da dor e da responsabilidade. A figueira poderia ter sido cortada imediatamente, mas o jardineiro pediu mais um ano. Deus dá espaço, mas esse espaço é para agir. Ele não nos confronta para nos humilhar, mas para nos despertar. No entanto, se continuarmos explicando nossas falhas e culpando os outros por tudo, nunca daremos frutos — e a misericórdia tem limite.
Caros amigos em Cristo, a Quaresma não é sobre apontar para o Egito ou culpar o deserto, mas sobre lidar com o Egito que está dentro de nós. O alerta de Paulo aos coríntios nos obriga a examinar nossa própria caminhada de fé. Estamos caminhando com Deus exteriormente, mas nos rebelando interiormente? Estamos honrando a Deus com os lábios, enquanto nossos corações estão distantes d’Ele? A Quaresma não é um espetáculo de piedade; é uma estação de verdade. A pergunta não é quem mais precisa mudar. A verdadeira pergunta é: o que em mim precisa morrer para que algo santo possa viver?
Acima de tudo, os frutos da verdadeira conversão são visíveis. A Quaresma não é apenas sobre jejuar ou abrir mão de coisas, é sobre mudança. Tornei-me mais honesto? Mais paciente? Mais generoso? Mais responsável? Se não, talvez eu só tenha culpado, mas não me arrependido. Moisés teve que voltar ao Egito. Os israelitas tiveram que atravessar o deserto. A figueira teve que produzir fruto. E nós? Devemos parar de apontar o foco para os outros e pedir a graça de olhar para dentro. Não é fácil, mas é o único caminho para uma mudança verdadeira. E talvez o primeiro sinal de crescimento seja a humildade de admitir: Talvez o problema seja eu. Só então a graça poderá começar a reconstruir o que o orgulho e a negação destruíram. Pare de culpar os outros — o problema pode ser você. Mas a boa notícia é: se o problema é você, pela graça de Deus, você também pode ser a mudança.
Oxalá ouvísseis hoje a sua VOZ: não fecheis os vossos corações! (Sl 95,7)
Shalom!
© Pe. Chinaka Justin Mbaeri, OSJ
Seminário Padre Pedro Magnone, São Paulo, Brasil.
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