VOZ DO LOGOS (32): REFLEXÃO/HOMILIA PARA A QUINTA-FEIRA DA TERCEIRA SEMANA DA QUARESMA, ANO 1

Quando Entra por um Ouvido e Sai pelo Outro

Primeira Leitura: Jeremias 7,23-28
Salmo Responsorial: Sl 94(95),1-2.6-9
Evangelho: Lucas 11,14-23
________________________________________

Provavelmente todos nós já usamos ou ouvimos a expressão: “Entra por um ouvido e sai pelo outro.” É o que se diz quando alguém ouve conselhos, instruções ou até advertências, mas não os absorve — muito menos os coloca em prática. Os pais a usam em relação aos filhos — quando a criança é repetidamente orientada, mas continua a agir de forma errada; quando o professor explica o mesmo conceito várias vezes, e os alunos continuam sem compreender; ou quando o sacerdote prega com paixão, e a assembleia esquece tudo antes mesmo de sair da igreja. Na vida cotidiana, essa frase capta um comportamento humano frustrante e comum: ouvir sem escutar, saber sem praticar, acenar com a cabeça enquanto o coração permanece indiferente. Não se trata apenas de esquecimento, mas de uma recusa deliberada em se envolver. E é aí que a coisa se torna espiritualmente perigosa. Reflete um tipo de fechamento interior que mantém a verdade do lado de fora — não por ignorância, mas por escolha. Em termos bíblicos, é mais do que desatenção; é resistência às instruções divinas — desobediência.

Esse mesmo problema está no centro da Primeira Leitura (Jeremias 7,23–28). Deus diz: “Esta é a nação que não escutou a voz do Senhor, seu Deus, e não aceitou correção.” O Sitz im Leben (contexto vital) desta passagem é a confiança mal colocada de Judá no Templo como garantia do favor divino, ao passo que suas obrigações morais e de aliança eram negligenciadas. O povo ia ao Templo, rezava, oferecia sacrifícios, mas seus ouvidos estavam fechados — e o coração, ainda mais. O verbo hebraico usado para “escutar” é shāmaʿ, que implica mais do que apenas ouvir sons — envolve uma escuta atenta que leva à obediência. O povo ouvia os profetas, incluindo o próprio Jeremias, mas tratava suas palavras como ruído de fundo — deixando a mensagem entrar por um ouvido e sair pelo outro. A expressão “endureceram a cerviz” (hebraico: hiqshû ʿorpām) reflete essa imagem: não eram apenas desatentos, mas teimosos, resistentes à própria voz que os formara como povo. Essa condição espiritual tornava seu culto vazio, seus ritos religiosos destituídos de significado. O que entrava por um ouvido, saía pelo outro — não porque a mensagem fosse obscura, mas porque a vontade se recusava a agir.

O Salmo responsorial (Sl 94/95) retoma essa denúncia com um alerta: “Oxalá ouvísseis hoje a sua voz: não fecheis os vossos corações.” O Salmo recorda a rebelião em Meribá e Massá, quando Israel pôs Deus à prova, apesar dos sinais e da providência já recebidos. Eles escutaram com os ouvidos, mas murmuraram no coração. O Salmo coloca o ouvinte no presente: “hoje” — um convite permanente à obediência. O fracasso não está na compreensão, mas na resposta.

Isso prepara o terreno para o Evangelho (Lucas 11,14–23), no qual Jesus expulsa um demônio mudo e, em vez de suscitar fé, recebe suspeitas e acusações. O Sitz im Leben aqui é o conflito crescente de Jesus com a elite religiosa que, apesar de testemunhar o poder divino, escolhe atribuí-lo a Belzebu. O equivalente grego do tema aparece em “akroatēs epilēsmonēs” (cf. Tg 1,23–24) — um “ouvinte que se esquece”. Mas aqui é ainda mais grave — eles ouvem e rejeitam. O verbo grego sklērynō (“endurecer”) usado em contextos semelhantes (cf. At 7,51) mostra que o problema não estava nos ouvidos, mas no coração. Eles viram, ouviram e ainda assim recusaram. Assim como nos tempos de Jeremias, trataram a verdade como ruído: entra por um ouvido e sai pelo outro. O resultado não é neutralidade, como Jesus adverte: “Quem não está comigo é contra mim.”

Na prática, esta é uma doença espiritual que vemos diariamente: pessoas que frequentam a Missa, ouvem a Palavra, confessam seus pecados — e continuam as mesmas. Isso revela como muitos podem estar cercados de graça — sermões, sacramentos, sinais — e ainda assim permanecerem não convertidos. Nos desculpamos com frases como “Depois eu penso nisso”, “Essa homilia foi bonita” ou “Eu já conheço essa história” — mas tudo isso são sinais de que a Palavra está escorrendo. A lição principal é clara: a surdez espiritual nem sempre é falha na audição; é o hábito de ouvir a voz de Deus sem permitir que ela nos incomode. Quando a verdade é ouvida, mas não vivida, ela perde o impacto. Deus não fala apenas para informar — Ele fala para transformar. Este confronto evangélico desafia cada ouvinte: sou apenas um ouvinte passivo ou um discípulo obediente? Quando a Palavra entra pelos meus ouvidos, ela move meu coração ou apenas rebate na minha indiferença? A voz de Deus fala por meio da consciência, das Escrituras, da Tradição e do Magistério. Mas, se reduzirmos isso a ruído de fundo, cairemos no mesmo padrão condenado por Jeremias, advertido nos Salmos e desmascarado por Cristo. A lição é clara: Deus não quer apenas que sua Palavra seja ouvida — Ele quer que ela seja vivida. Deixar que entre por um ouvido e saia pelo outro não é apenas tolice — é espiritualmente fatal.

Oxalá ouvísseis hoje a sua VOZ: não fecheis os vossos corações! (Sl 95,7)


Shalom!
© Pe. Chinaka Justin Mbaeri, OSJ
Seminário Padre Pedro Magnone, São Paulo, Brasil.
📧 nozickcjoe@gmail.com / fadacjay@gmail.com


Você já rezou o seu terço hoje?

NEVER MISS AN UPDATE AGAIN.

Subscribe to latest posts via email.


Chinaka Justin Mbaeri

A staunch Roman Catholic and an Apologist of the Christian faith. More about him here.

View all posts
Subscribe
Notify of
guest

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.

0 Comments
Oldest
Newest Most Voted
Inline Feedbacks
View all comments
0
Would love your thoughts, please comment.x
()
x

Discover more from Fr. Chinaka's Media

Subscribe now to keep reading and get access to the full archive.

Continue reading