Alegrar-se pelo filho errado? – Um Deus que quebra nossas expectativas
Primeira Leitura: Josué 5,9-12
Salmo Responsorial: Sl 33(34),2-7
Segunda Leitura: 2 Coríntios 5,17-21
Evangelho: Lucas 15,1-3.11-32
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Na vida cotidiana, é natural que os pais sintam alegria pelos filhos que se comportam bem, alcançam excelência, trazem honra à família e seguem os valores que lhes foram ensinados. São esses filhos que os pais se orgulham de apresentar, que celebram e dos quais falam com admiração. Mas imagine uma situação em que um filho desperdiça os recursos da família, vive vergonhosamente, traz desonra pública, e de repente volta para casa. Agora imagine os pais organizando uma grande festa para esse filho, não uma recepção discreta, mas uma celebração barulhenta. Imagine-os colocando roupas caras e joias naquele que os envergonhou. Para muitos, isso pareceria bizarro, injusto e até ofensivo. No entanto, é exatamente sobre isso que trata a mensagem deste domingo, refletindo o mistério da própria Páscoa. A alegria da Páscoa, que antecipamos durante a Quaresma, especialmente no Domingo Laetare, é uma celebração não dos justos, mas dos pecadores — daqueles que estavam perdidos e foram encontrados. Como escreve São Paulo: “Mas Deus prova o seu amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nós, quando ainda éramos pecadores” (Romanos 5,8). A morte e ressurreição de Cristo não são um prêmio para os santos, mas uma missão de resgate para os caídos. Nem é preciso dizer que Ele ressuscitou para trazer nova vida aos quebrantados, não para aplaudir os autossuficientes. Essa é a razão surpreendente para a alegria, e é por isso que, mesmo na Quaresma, a Igreja nos convida a antecipar essa alegria estranha e bela. Essa antecipação da alegria pascal é marcada liturgicamente no Quarto Domingo da Quaresma — o Domingo Laetare.
A palavra Laetare vem do latim e significa “Alegra-te!”. É a primeira palavra da antífona de entrada retirada de Isaías 66,10: “Laetare Jerusalem: et conventum facite omnes qui diligitis eam” — “Alegra-te, ó Jerusalém, e reuni-vos todos vós que a amais.” Ao contrário dos outros domingos da Quaresma, o Domingo Laetare interrompe o tom de solenidade e convida os fiéis a antecipar a alegria da Páscoa. Isso acontece no Quarto Domingo, e não no Quinto, porque marca exatamente a metade da Quaresma, oferecendo uma espécie de respiro espiritual antes do trecho final rumo à Semana Santa. É como um lampejo da luz da ressurreição que atravessa as sombras da penitência. Os paramentos cor-de-rosa usados hoje refletem esse espírito: um roxo suavizado, representando a esperança misturada com a penitência, uma alegria que não exclui o arrependimento. Hoje, nos alegramos não porque a penitência terminou, mas porque a redenção está se aproximando.
A Primeira Leitura de Josué 5,9a.10–12 espelha essa transição rumo à alegria no contexto histórico e litúrgico da caminhada de Israel. Os israelitas finalmente atravessaram o Jordão e entraram na Terra Prometida após quarenta anos de peregrinação no deserto — um símbolo de purificação e preparação. O Sitz im Leben (contexto de vida) aqui é pós-deserto, pré-estabelecimento, e Deus lhes diz: “Hoje retirei de vós o opróbrio do Egito.” A palavra hebraica usada aqui (cherpah) para “opróbrio” carrega o sentido de vergonha ou desonra. Deus está removendo a vergonha, e o povo responde celebrando a Páscoa — a festa da libertação. Como o filho pródigo que volta ao Pai, Israel entra numa terra que não conquistou por méritos, mas recebeu por graça. Eles não comem mais o maná; agora desfrutam dos frutos da terra, sinal de que Deus os restaurou. É um momento de alegria, não por realizações humanas, mas por generosidade divina.
O Salmo Responsorial (Salmo 33) continua esse movimento de alegria nascida da redenção. Convida-nos: “ Provai e vede quão suave é o Senhor” Não é um convite à celebração do mérito, mas à experiência da misericórdia. O salmista não fala como alguém que sempre agiu corretamente, mas como quem foi libertado: “Este pobre gritou, e o Senhor o ouviu.” A alegria aqui não é reservada aos justos, mas oferecida aos quebrantados que se voltam para Deus. Esta é a ponte emocional e teológica com o Evangelho de hoje, onde a alegria não se encontra em quem a merece, mas em quem recebe misericórdia.
Do mesmo modo, no Evangelho de hoje (Lucas 15,1–3.11–32), Jesus responde aos fariseus e escribas escandalizados pelo fato de Ele acolher os pecadores e comer com eles. O Sitz im Leben é claro: Jesus está desafiando a mentalidade dos líderes religiosos que se consideram justos. Ele conta uma parábola que não trata apenas de um filho perdido, mas de um Pai cujas ações são provocativamente generosas. O Evangelho é propositalmente desconcertante. A palavra grega usada quando o Pai vê o filho de longe é splagchnizomai: um verbo que expressa compaixão visceral, das entranhas, que é o verdadeiro núcleo emocional da parábola: ao ver o filho “ainda longe”, detalhe que sugere uma espera constante, o pai corre, o abraça e o beija — atitudes indignas de um patriarca respeitável. A nova túnica simboliza a dignidade restaurada, o anel representa a autoridade recuperada, e as sandálias indicam liberdade. O novilho gordo não é reservado para uma festa religiosa, mas para esse momento escandaloso: uma festa para um filho fracassado. O pai é, na verdade, o verdadeiro “pródigo”: esbanjador em misericórdia, alegria e amor. Esse é o escândalo da graça divina. A parábola termina com o filho mais velho amargurado, representando aqueles que lutam para entender a justiça de Deus. O choque não está apenas no perdão ao filho mais novo, mas na celebração de seu retorno. Para Jesus, a alegria se encontra onde a misericórdia é acolhida, não onde a justiça própria é mantida. A palavra grega para “alegrar-se” aqui é euphrainō, usada na fala do pai: “Era preciso festejar e nos alegrarmos” (Lc 15,32).
Esse tema é aprofundado na Segunda Leitura (2 Coríntios 5,17–21), onde Paulo insiste: “Se alguém está em Cristo, é uma nova criatura.” A linguagem não fala de melhora gradual, mas de recriação completa. Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não levando em conta as transgressões. Essa é uma graça escandalosa. A reconciliação não é uma resposta ao arrependimento; ela o inicia. A Igreja, como embaixadora dessa reconciliação, deve proclamar uma mensagem que escandaliza: Deus não está interessado em contar pecados, mas em restaurar a comunhão. É por isso que este domingo é um convite à alegria: celebra a misericórdia divina estendida justamente aos menos dignos dela.
Que lições práticas podemos tirar deste domingo? Primeiro, que a graça é ofensiva. Preferimos um sistema em que os bons são recompensados e os maus punidos. Mas a justiça de Deus é misericórdia. Muitos católicos, no fundo, acreditam que sua obediência deve merecer o favor divino. No entanto, o Pai se alegra não com o desempenho do filho, mas com seu retorno. A Quaresma, então, não é uma competição moral, mas um convite a voltar para casa, não importa o quanto nos afastamos.
Segundo, precisamos interrogar nossa própria amargura. O filho mais velho vive na casa, obedece às regras, mas guarda ressentimento. Sua obediência carece de alegria porque carece de amor. Muitos cristãos praticantes hoje são como o filho mais velho — fiéis externamente, mas internamente distantes. A verdadeira obediência não é conformidade relutante, mas comunhão alegre. Se nos incomodamos com a misericórdia de Deus para com os outros, talvez ainda não tenhamos compreendido o Evangelho. Como o irmão mais velho, muitos de nós achamos que devemos ser celebrados por nossa fidelidade, e nos escandalizamos quando os caídos são bem-vindos de volta. Essa parábola expõe nossa tendência de medir a graça com padrões humanos. O Evangelho nos desafia a nos alegrar não só com a misericórdia de Deus para conosco, mas também com a misericórdia d’Ele para com aqueles que julgamos indignos. Se não conseguimos celebrar o retorno de um pecador, talvez ainda não entendamos o coração do Pai.
Terceiro, a alegria do pai não depende de justificativas ou pedidos de desculpa, mas da presença. Ele vê seu filho: sujo, quebrado, ensaiando uma confissão — e corre ao seu encontro. No confessionário, Deus não espera que encontremos as palavras certas; Ele nos encontra com o abraço do perdão. A Quaresma não é uma estação para provar nosso valor, mas para voltar a um Deus que nos vê de longe e se alegra.
Quarto, a Igreja precisa se tornar a casa do Pai, e não o tribunal do irmão mais velho. O retorno do pródigo foi recebido com música, dança e banquete. Quantas vezes nossas comunidades refletem esse espírito de acolhida? Somos lugares onde os pecadores temem julgamento, ou lugares onde os perdidos encontram alegria? O Domingo Laetare nos lembra que a alegria é o perfume da graça. A Igreja deve vestir as vestes róseas não só liturgicamente, mas espiritualmente, celebrando cada retorno, não calculando quem merece o quê.
No fim, o Evangelho não é sobre dois filhos, mas sobre um Pai pródigo. Ele não se alegra com o “filho errado”, mas com o retorno do filho amado. E sua alegria, totalmente irracional aos olhos humanos, é a única razão pela qual somos salvos. Esta é a razão do Laetare. Esta é a razão da Páscoa. E esta é a razão para nos alegrarmos!
Oxalá ouvísseis hoje a sua VOZ: não fecheis os vossos corações! (Sl 95,7)
Shalom!
© Pe. Chinaka Justin Mbaeri, OSJ
Seminário Padre Pedro Magnone, São Paulo, Brasil.
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