VOZ DO LOGOS (34): REFLEXÃO/HOMILIA PARA A SEGUNDA-FEIRA DA TERCEIRA SEMANA DA QUARESMA, ANO 1

Quando a Alegria te Encontra Fora dos Santuários, Basílicas ou Lugares de Peregrinação

Primeira Leitura: Isaías 65,17-21
Salmo Responsorial: Sl 29(30),2.4-6.11-13
Evangelho: João 4,43-54
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Muitas pessoas encontram grande benefício espiritual ao viajar para lugares santos. Peregrinações a locais como Jerusalém, Lourdes, Fátima, Aparecida, e até santuários marianos locais são frequentemente realizadas com a esperança de vivenciar algo extraordinário. Vamos esperando encontrar Deus de forma mais vívida, receber cura, clareza ou consolo. A jornada a um lugar sagrado geralmente carrega grandes expectativas. No entanto, há momentos em que Deus intervém nos cantos silenciosos e inesperados de nossas vidas, longe dos santuários, basílicas ou locais de peregrinação. As peregrinações, sem dúvida, são nobres e espiritualmente enriquecedoras. Contudo, esta semana da Laetare desvia suavemente nossa atenção da exclusividade dos lugares santos para a realidade de que a graça e a alegria de Deus podem nos alcançar mesmo em lugares ordinários e inesperados. Ao entrarmos na Semana da Laetare, a Igreja nos convida a antecipar com alegria a nova vida da Páscoa. Esta semana abre nossos corações à visão de restauração, renovação e, em última análise, de júbilo. Cada leitura nos orienta a um Deus que traz vida onde reinava a morte, esperança onde dominava o desespero e alegria onde persistia a tristeza. Mas talvez o mais marcante nas leituras de hoje seja a ideia de que tal alegria não está necessariamente localizada nos lugares sagrados que esperamos. Em vez disso, a alegria irrompe além do templo, em territórios desconhecidos, ao longo dos caminhos da confiança.

A Primeira Leitura de Isaías (65,17-21) pertence à literatura profética pós-exílica. Seu “Sitz im Leben” está profundamente enraizado no retorno do povo judeu do cativeiro babilônico e na reconstrução de Jerusalém. Foi um tempo de esperanças destruídas e sonhos adiados. O templo havia sido destruído. A terra da promessa tornara-se terra de ruínas. No entanto, Deus fala por meio de Isaías: “Pois vou criar novos céus e nova terra… Criarei Jerusalém para a alegria.” A palavra hebraica raiz para alegria aqui, śāśôn, denota uma celebração exuberante, frequentemente ligada a festividades comunitárias e libertação. Contudo, essa alegria está atrelada a uma geografia renovada: Jerusalém, outrora lugar de julgamento e exílio, é reimaginada como espaço de deleite. A promessa não é apenas de restauração abstrata; ela é locativa. Deus situa a alegria em um lugar que conheceu a devastação. Isso é significativo. Nos diz que a alegria não é meramente um estado interno ou elevação emocional, mas uma reorganização divina do espaço e da vida. A passagem nos recorda que até mesmo lugares familiares marcados pela tristeza podem se tornar vasos de renovação. No entanto, o que é ainda mais notável é como essa alegria prometida não se limitará ao templo reconstruído, mas penetrará a vida cotidiana, os lares, o trabalho, a família – esferas ordinárias da existência humana.

Da mesma forma, o Salmo Responsorial (30) continua esse tema e funciona como uma resposta poética a essa promessa. O salmista dá graças por ter sido erguido da morte e curado. “Converteste o meu lamento em dança”, ele diz. Seu contexto é frequentemente associado à recuperação de uma doença grave ou experiência de quase morte. Mais uma vez, aqui, a alegria nasce não dentro do templo, mas na restauração pessoal e interior da vida. A raiz hebraica rapha’ para cura sugere não apenas cura física, mas restauração holística. A ira de Deus, que dura um instante, dá lugar ao favor que dura a vida inteira. A noite dá lugar à manhã. As transições no salmo refletem mais do que mudanças emocionais; são sinais de intervenção divina na fragilidade humana. A alegria descrita aqui é profundamente experiencial, surgindo não porque o salmista está em um lugar sagrado, mas porque o Senhor agiu em sua pequenez. Isso reforça a ideia de que a alegria da salvação não está presa a um local. É uma graça que irrompe nos lugares comuns da vida, como nossos quartos, leitos de hospital e crises interiores, onde quer que estejamos dispostos a clamar.

Interessantemente, o Evangelho de João nos situa em um cenário completamente diferente. Jesus retorna a Caná da Galileia, local de seu primeiro sinal, mas o enfoque narrativo se desloca para um oficial do rei vindo de Cafarnaum. Esse homem viaja até Caná para encontrar Jesus, suplicando pela cura de seu filho moribundo. O “Sitz im Leben” reflete um tempo em que a Galileia era considerada periférica, politicamente insignificante e religiosamente inferior comparada à Judeia e Jerusalém. No entanto, é aqui, nas margens, que Cristo realiza seu segundo sinal. A narrativa evita deliberadamente qualquer referência ao templo. O verbo grego usado no versículo 50, quando Jesus diz: “Vai, teu filho vive”, é zēsei, de zaō, que significa “viver” ou “voltar à vida”. A palavra reflete a restauração da vida vista no Salmo e na promessa de Isaías. Mas essa vida é restaurada sem que Jesus visite fisicamente a criança, sem ritual, e fora de qualquer contexto litúrgico. O milagre ocorre à distância geográfica, à medida que o oficial retorna para casa. É ao longo dessa jornada – fora dos recintos sagrados – que ele encontra a alegria da fé cumprida. Não apenas seu filho é curado, mas toda a sua casa passa a crer.

Os marcadores geográficos no texto do Evangelho são particularmente instrutivos. Cafarnaum, cujo nome é frequentemente interpretado como “aldeia de Naum” ou “aldeia do consolo”, ironicamente mostrava pouco consolo no tempo de Jesus. Era uma cidade fronteiriça sob forte presença romana, povoada por cobradores de impostos, comerciantes, gentios e judeus – um símbolo de mistura cultural e religiosa. Os Evangelhos frequentemente a retratam como espiritualmente resistente; mais tarde, em Mateus 11,23, Jesus condena Cafarnaum por sua incredulidade, apesar dos milagres realizados ali. Tradições até mesmo associam a área com possessão demoníaca e escuridão espiritual, como evidenciado nas várias expulsões de demônios feitas por Jesus naquela região. Apesar desse pano de fundo de confusão, compromisso e até poluição espiritual, Cafarnaum torna-se o local inesperado de alegria e nova vida. Não é a cidade santa de Jerusalém, nem mesmo Caná, onde Jesus havia revelado sua glória anteriormente, mas essa cidade marcada pela ambiguidade e impureza recebe a graça da restauração divina. Essa inversão narrativa desafia suposições convencionais de que a salvação deve ocorrer em ambientes visivelmente sagrados ou moralmente corretos. Em vez disso, a palavra vivificante de Cristo atravessa fronteiras geográficas e espirituais, trazendo alegria e cura mesmo a lugares marcados por falsa religião, opressão ou decadência espiritual.

Esta leitura ensina que Deus não está confinado a estruturas físicas ou locais como igrejas ou locais de peregrinação. A peregrinação é nobre, os edifícios da Igreja são importantes, mas não devemos idolatrar o local. A alegria pode nos encontrar no corredor do hospital, na longa caminhada de volta para casa ou no meio de um exílio pessoal. O que santifica um espaço não é seu prestígio histórico, mas a iniciativa de Deus de falar e agir dentro dele. Devemos aprender a ouvir Sua voz não apenas nos santuários, mas também no silêncio, no cansaço e nas rotinas interrompidas. Às vezes, o milagre vem muito tempo depois de termos deixado o chão sagrado. A graça de Deus não está restrita por fronteiras, rituais ou instituições. Ele santifica o espaço onde fé e confiança são expressas.

Outra lição poderosa é o significado de mover-se em direção a Jesus, mesmo sem compreensão plena. O oficial do rei não era um erudito ou discípulo. Provavelmente vinha de um contexto distante da teologia da aliança judaica. No entanto, sua disposição em sair de Cafarnaum, em mover-se em direção a Cristo, abriu um caminho para a graça. Muitas pessoas hoje permanecem espiritualmente paralisadas, esperando que Deus venha até elas. Mas, às vezes, é no movimento, na vulnerabilidade de buscar, que descobrimos a alegria inesperada de ser encontrados no caminho. Esse movimento não é apenas geográfico, mas também espiritual. Pode envolver deixar zonas de conforto, tradições ou expectativas equivocadas para trás.

Também vemos que as respostas tardias de Deus não são negações. O oficial do rei não recebe nenhum sinal imediato. Jesus nem sequer o acompanha. No entanto, o homem acredita. Sua alegria nasce da fé e da confiança, e não da visão. Isso nos desafia a repensar como medimos o amor divino. Quando as respostas à oração parecem tardias ou ausentes, não é porque Deus está retendo a alegria, mas porque Ele está aprofundando nossa capacidade de recebê-la. A cura do menino não apenas o restaurou, mas renovou toda uma casa. É assim que Deus age: Ele às vezes demora para estender o alcance da alegria.

Por fim, esta semana da Laetare nos recorda que a alegria muitas vezes nasce no intervalo entre o pedido e o cumprimento. O oficial acreditou antes de ver. Essa é a essência da fé quaresmal: crer na vida pascal enquanto ainda se carrega o peso da Sexta-feira Santa. A alegria nem sempre grita; às vezes sussurra. E muitas vezes é descoberta não no santuário, mas no limiar ordinário onde nossa necessidade encontra a iniciativa de Deus. Pode nos encontrar longe de onde pensávamos – fora do edifício da Igreja, fora de nosso cronograma, fora de nosso senso de controle. No entanto, quando ela chega, carrega a marca inconfundível do Senhor ressuscitado, que traz vida onde quer que seja confiado.

Oxalá ouvísseis hoje a sua VOZ: não fecheis os vossos corações! (Sl 95,7)


Shalom!
© Pe. Chinaka Justin Mbaeri, OSJ
Seminário Padre Pedro Magnone, São Paulo, Brasil.
📧 nozickcjoe@gmail.com / fadacjay@gmail.com


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Chinaka Justin Mbaeri

A staunch Roman Catholic and an Apologist of the Christian faith. More about him here.

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