VOZ DO LOGOS (4): REFLEXÃO/HOMILIA PARA A QUARTA-FEIRA DA 6ª SEMANA DO TEMPO COMUM, ANO I

QUANDO DEUS NÃO CURA OU RESTAURA INSTANTANEAMENTE… POR QUÊ?

Primeira Leitura: Gênesis 8,6-13.20-22
Salmo Responsorial: Salmo 115(116),12-15.18-19
Evangelho: Marcos 8,22-26
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Muitos esperam que a intervenção de Deus seja imediata, seja na cura, na restauração ou na libertação. Quando as orações parecem não ser respondidas ou quando a mudança acontece gradualmente, a fé é frequentemente testada. No entanto, a Escritura revela que a ação divina às vezes é progressiva, desenvolvendo-se em etapas em vez de ocorrer de uma só vez. Esse padrão levanta questões teológicas mais profundas: por que Deus às vezes demora para curar ou restaurar? Isso seria um sinal de Sua fraqueza ou há algo de profundo nesse processo? No pensamento judaico, esse processo gradual está profundamente enraizado na compreensão da ação divina. O conceito de tikkun olam (תִּקּוּן עוֹלָם), que significa “reparação do mundo”, transmite a ideia de que a restauração de Deus muitas vezes acontece por meio da participação humana ao longo do tempo. A palavra hebraica para cura, רָפָא (rapha), aparece frequentemente no Antigo Testamento, muitas vezes conectada a uma restauração progressiva e não a milagres imediatos. Em Êxodo 15,26, Deus declara: “Eu sou o Senhor que te cura” (אֲנִי יְהוָה רֹפְאֶךָ), mas essa promessa está ligada à obediência e a um processo de renovação. O povo judeu, por meio do exílio e do retorno, compreendeu que a redenção de Deus acontece ao longo das gerações, em vez de ocorrer em um único momento. Isso nos leva ao tema da restauração gradual, como vemos nas leituras de hoje.

A primeira leitura, tirada de Gênesis 8,6-13.20-22, mostra Noé buscando confirmação de que as águas do dilúvio haviam diminuído. Ele não recebe uma resposta imediata. Em vez disso, ele solta um corvo e, em seguida, uma pomba, esperando pacientemente entre cada tentativa. O corvo não retorna, oferecendo nenhuma clareza. A pomba inicialmente volta, indicando que a terra ainda não está seca. Na segunda vez, ela retorna com uma folha de oliveira, um sinal de esperança, mas ainda assim Noé espera. Somente na terceira tentativa a pomba não retorna, sinalizando que a terra está pronta para ser habitada. Essa revelação gradual da terra seca espelha a cura do cego no Evangelho—não ocorre instantaneamente, mas exige discernimento, paciência e confiança.

O milagre do cego no Evangelho de hoje (Marcos 8,22-26) é singular nos Evangelhos porque Jesus o cura em duas etapas. No início, o homem começa a ver, mas percebe as pessoas como árvores caminhando; sua visão está turva e incompleta. Somente depois que Jesus impõe as mãos sobre ele pela segunda vez, ele passa a enxergar claramente. O termo grego ἀναβλέπω (anablepō) é usado quando Jesus pergunta ao cego: “Vês alguma coisa?” (Marcos 8,23). Esse verbo, que significa “recuperar a visão” ou “olhar para cima”, sugere um processo em vez de uma ocorrência instantânea. A primeira resposta do homem, “vejo pessoas como árvores”, indica que a cura está em andamento, mas ainda não está completa. Isso é teologicamente significativo porque revela a natureza da fé e do entendimento espiritual. Assim como a visão física pode ser restaurada em etapas, também a visão espiritual frequentemente se desenvolve de forma gradual.

Mesmo os discípulos, que seguiam Jesus, lutavam para enxergar claramente quem Ele era. Imediatamente antes dessa cura, Jesus os repreende por sua falta de compreensão:

“Ainda não compreendeis? Vosso coração está endurecido? Tendes olhos e não vedes, e ouvidos e não ouvis?” (Marcos 8,17-18).

Ou seja, essa cura gradual simboliza o modo como Deus frequentemente trabalha, não apenas na vida individual, mas em toda a história da salvação. Ela reflete a revelação progressiva da ação divina, assim como a aliança de Deus foi revelada passo a passo, desde Abraão até Moisés, passando pelos profetas e, finalmente, culminando em Cristo.

Essa sequência não é acidental. A cura do cego funciona como uma parábola da cegueira espiritual dos discípulos. Eles acreditavam em Jesus, mas sua compreensão era limitada—assim como o homem que inicialmente via apenas formas vagas. A confissão de Pedro, logo após esse milagre (Marcos 8,27-30), demonstra isso. Mesmo declarando que Jesus é o Messias, Pedro ainda não compreendia completamente. Quando Jesus prediz Sua Paixão, Pedro o repreende, incapaz de aceitar a necessidade do sofrimento. Assim como o cego, Pedro via, mas não claramente; sua fé precisava de um segundo toque.

Teologicamente, isso nos ensina que Deus forma Seu povo por meio de um processo, e não de uma transformação imediata. Isso é evidente ao longo de toda a Escritura:

  • Abraão recebeu a promessa de Deus, mas levou anos até que Isaque nascesse.
  • Os israelitas foram libertos do Egito, mas sua jornada até a Terra Prometida foi longa e difícil.
  • A vinda do Messias foi progressiva, sendo profetizada por séculos antes de se cumprir em Cristo.
  • O Apocalipse apresenta o cumprimento final do plano de Deus, mas mesmo ali, ele se desenrola por visões e etapas, antes da restauração definitiva de todas as coisas.

No mundo de hoje, esse princípio desafia as expectativas modernas de resultados imediatos. Em uma cultura da instantaneidade, onde se espera que respostas, curas e sucessos sejam imediatos, o modo de agir de Deus frequentemente parece lento. Muitos rezam por milagres, mas desanimam quando não veem mudanças imediatas. No entanto, tanto o Evangelho quanto a Primeira Leitura mostram que os caminhos de Deus são mais altos que os nossos. O período de espera não é uma ausência de ação, mas uma parte essencial da formação da fé. Assim como Noé esperou entre cada envio da pomba, e assim como o cego foi curado em etapas, os crentes de hoje são chamados a confiar no processo da restauração divina.

Queridos irmãos e irmãs em Cristo, isso se aplica a várias áreas da vida:

  • A fé é testada em períodos de silêncio, onde Deus parece distante, mas são nesses momentos que a confiança se aprofunda.
  • Alguns milagres acontecem instantaneamente, mas outros ocorrem ao longo do tempo, seja fisicamente, emocionalmente ou espiritualmente.
  • Assim como Noé aguardava a confirmação da pomba, muitos buscam clareza de Deus e devem aprender a esperar pacientemente no processo.
  • O mundo quebrado não será restaurado da noite para o dia, mas por meio de atos contínuos de fé e justiça, participamos da obra contínua de Deus.

Acima de tudo, quando Deus não cura ou restaura instantaneamente, não é um sinal de fraqueza, mas de sabedoria. O processo gradual serve para fortalecer a fé, aprofundar a confiança e refinar o entendimento. Assim como Noé teve que esperar, e assim como o cego precisou de um segundo toque, também nós devemos reconhecer que o tempo de Deus é perfeito, mesmo quando não corresponde às expectativas humanas.

“Oxalá ouvísseis hoje a sua VOZ: não endureçais os vossos corações!” (Sl 95,7)


Shalom!
© Pe. Chinaka Justin Mbaeri, OSJ
Seminário Padre Pedro Magnone, São Paulo, Brasil.
📧 nozickcjoe@gmail.com / fadacjay@gmail.com


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Chinaka Justin Mbaeri

A staunch Roman Catholic and an Apologist of the Christian faith. More about him here.

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